A imprensa brasileira andou olhando para dentro de si mesma nestes dias, durante o 9º Congresso Brasileiro de Jornais, que se realizou em São Paulo. Esse encontro bienal costuma produzir muita futurologia e grandes doses de aforismos retirados dos livros de gurus da administração.
Mas, na versão deste ano, as empresas de comunicação estão precisando de algo mais: o futuro já chegou faz tempo e a profusão de frases de efeito não tem produzido efeitos concretos. A maioria dos produtores de conteúdo migrou ou está correndo para adotar o sistema multiplataformas de distribuição. No entanto, ainda não se conhece um modelo de negócio capaz de garantir resultados financeiros suficientes para sustentar a entrega de jornalismo de qualidade, seja no papel, seja no formato digital.
Pelo que os principais diários publicam nesta quarta-feira, dia 22, a maioria dos executivos que apresentaram suas reflexões no segundo e último dia do evento ficou presa à discussão sobre o modelo de formação de receita, perigosamente dependente da publicidade. Essa é uma questão importante, uma vez que, sem receita, não se pode produzir jornalismo de qualidade. No entanto, a se julgar pelo que foi divulgado pelos próprios jornais, o debate ainda não saiu da questão “cobrar ou não cobrar” pelo material noticioso e opinativo.
Algumas experiências, como a cobrança por camadas de conteúdo jornalístico, que a Folha de S. Paulo chama de “muro poroso”, têm mostrado que parte dos leitores estaria disposta a pagar pelo que é considerado mais relevante, mas sabe-se que a cultura da internet não favorece a cobrança e a concorrência dos novos meios digitais tende a corroer a percepção de valor da notícia.
Para complicar ainda mais a situação, um dos convidados mais esperados ao encontro, o indiano Raju Narisetti, vice-editor executivo do americano Wall Street Journal, criticou o sistema de cobrança que está entusiasmando algumas empresas brasileiras, afirmando que esse modelo acaba punindo justamente o leitor mais fiel, que procura os conteúdos de qualidade, e estimula o acesso gratuito apenas aos enunciados de notícias, que podem ser obtidos em outras fontes.
Mas essa discussão, que realmente vale a pena levar adiante, esbarra em resistências culturais dentro dos próprios jornais.
Jornalismo em milhagem
Segundo Narisetti, o modelo ideal seria semelhante ao sistema de milhas oferecido pelas empresas aéreas: quanto mais interesse o leitor demonstrar pelo conteúdo, menos irá pagar. Assim, pagando ou não – até mesmo um valor simbólico na entrada – , o usuário mais fiel, aquele que passasse mais tempo acessando o conteúdo oferecido pelo jornal, ganharia pontos que poderiam ser trocados por benefícios. Esta seria uma forma, na sua opinião, de assegurar a fidelidade que pode valorizar a plataforma e habituar o usuário da internet a investir mais tempo em conteúdo jornalístico. No entanto, Narisetti não conseguiu emplacar seu modelo teórico nem no Wall Street Journal nem em seu emprego anterior, no Washington Post.
A principal unanimidade entre os participantes, pelo que se pode apreender das reportagens publicadas pela Folha, o Estado de S. Paulo e o Globo, é que a condição central para o desenvolvimento de um modelo de negócio bem sucedido é a oferta de conteúdos jornalísticos de qualidade. É aí, no entanto, que a questão se complica: aparentemente, há uma divergência entre o que os jornais consideram jornalismo qualificado e o que o leitor entende como tal. Mas as discussões se limitam à questão mercadológica.
Portanto, como dizia o Pasquim, o buraco é mais embaixo. Então, é preciso cavar um pouco mais para se chegar à jazida. Claramente, o modelo de mediação representado tradicionalmente pela imprensa escrita e adotado pelo rádio e a televisão não produz o mesmo entusiasmo nas novas gerações. O leitor ainda precisa do referendo de uma marca específica para aceitar como verdadeiros certos fatos noticiados, ou para levar em consideração as opiniões articuladas em torno deles?
Há muitas evidências de que o modelo centralizado de seleção de fatos para produção de notícias tende a causar um efeito reducionista nas possibilidades de interpretação da realidade, enquanto as plataformas digitais abrem um universo praticamente inesgotável para quem precisa ou quer ampliar sua compreensão sobre determinado assunto. Quando a plataforma digital é apropriada por um veículo tradicional, a tendência é de restringir essa diversidade. Mas dificilmente veremos esse tema sendo discutido num congresso de jornais.