Ao menos por enquanto, o livro “João Gilberto”, organizado pelo professor do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, Walter Garcia, pode continuar sendo vendido.
Contrariando uma solicitação do cantor, a 9ª Vara Cível de São Paulo negou o pedido de recolhimento dos exemplares que já estão disponíveis nas lojas -algo como Roberto Carlos fez, em 2007, com sua biografia, “Em Detalhes”, de Paulo César Araújo.
Lançado em julho, o livro de João também vem sendo tratado como uma biografia do músico -apesar de ser composto basicamente de textos, entrevistas e ensaios escritos desde 1959 e já publicados em jornais e revistas.
O cantor teria se ofendido com alguns trechos, em que é chamado de “neurótico” e “esquisito”. E pediu o recolhimento assim que os exemplares chegaram às livrarias.
A solicitação foi negada anteontem pelo juiz Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, da 9ª Vara Cível de São Paulo. Ele considerou que, “nesse setor, o vocábulo [neurótico] não ganha o sentido de doença mental, mas, sim, de excentricidade de músicos e artistas (‘esquisitices’), o que não é depreciativo”.
O juiz rejeitou a tutela antecipada e o mérito da ação ainda vai ser julgado, em data a ser definida.
Segundo Bernardo Ajzenberg, diretor executivo da Cosac Naify, que publicou o livro, a editora ainda não recebeu notificação oficial.
Ajzenberg também não considera “João Gilberto” uma biografia. Mas avalia que o caso pode abrir espaço para discussões a respeito das leis que atravancam livros desse gênero no país.
Isso porque consta da decisão do juiz que “a biografia é uma obra de informação e, como tal, deverá ser admitida, ainda que sem consentimento do biografado”.
Ruy Castro, autor de livro sobre a história da bossa nova, “Chega de Saudade”, diz que não havia motivo para que o livro que coleta o material histórico publicado sobre João fosse apreendido.
“A pior coisa de que João Gilberto é chamado em suas 508 páginas é de ‘gênio’“, diz Ruy, que teve problemas com herdeiros de alguns de seus biografados, como Garrincha e Nelson Rodrigues.
“E, mesmo que houvesse motivo para a apreensão, não seria caso de fazê-la, mas, sim, de processar o autor -e o livro que seguisse sua carreira, como deve acontecer com todos os livros em uma democracia”, conclui.
No mês passado, a Associação Nacional dos Editores de Livros entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal pedindo que seja declarado inconstitucional dois artigos do Código Civil, que exige autorização de personagens ou de seus herdeiros para que sejam publicados livros ou obras audiovisuais nas quais eles são citados.
Há ainda em tramitação no Congresso um projeto de lei que também visa modificar o Código Civil.
Procurado pela Folha, Walter Garcia preferiu não se manifestar sobre o assunto.
Claudia Faissol, mãe da filha caçula de João e braço direito do cantor, também foi procurada, mas não retornou as ligações da reportagem até o fechamento desta edição.