Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tigres & onças

Em mais de uma ocasião já desfiei (se você perdeu, dou-lhe uma segunda chance nas páginas de O Espalhador de passarinhos & Outras crônicas) lembranças da minha boa vida de Playboy, a mais manuseada revista brasileira.

Entre outros excitantes temas, falei da massa de literatura pretensamente erótica que na qualidade de redator-chefe me cabia desbastar, e em meio à qual certa vez me deparei com um relato torrencial – exaustivo (em todos os sentidos) Kama Sutra enviado à redação, sob pseudônimo, evidentemente, por uma senhora acima de qualquer suspeita que morava no meu prédio. (Não, não foi publicado, nem a autora passou pela vergonha de saber que sua prosa fora lida pelo vizinho do segundo andar.)

Contei também da peleja que podiam ser as tratativas com uma entidade comparável à “mãe de miss”: o marido da mulher pelada. Nessa refrega, benza Deus, pouco me envolvi. Houve um episódio que deixei de fora. Por determinação do Juca Kfouri, então meu chefe, liguei para a Thereza Collor, com quem acabara de fazer reportagem de capa para a revista Elle – e, constrangido, convidei a cunhada do presidente a desvelar prendas recônditas nas páginas da Playboy. Desconfio que Pedro, o maridão, pagou o mico de ouvir minha proposta pelo viva-voz.

– Tô pensando nisso não, Humberto… – encerrou com voz molenga a ainda hoje linda Thereza.

Ração mensal

Mais sorte tive com a não tão bela Alina Fernández – até porque a moça, que se casava muito, surpreendentemente estava sem marido, além de brigada (como continua) com papai Fidel Castro. Mas já se falou demais desse ensaio, feito pelo Duran em Roma e, para meu desgosto, abortado em nossa redação.

A quem não gostou daqueles meus relatos, lamento informar que estou longe de ter esgotado o assunto. Até agora não tratei, por exemplo, do destampatório que aprontou comigo, pelo telefone, um advogado de Joinville (ou Chapecó?) por causa de um acidente editorial que de todos passou despercebido, menos daquele atento causídico: a inversão de uma imagem fez com que uma pinta de uma louraça americana migrasse para o outro seio. “Um desrespeito!” – perorou o irado consumidor, sem se dar conta do involuntário trocadilho. Tive que me conter para não lhe sugerir que aproveitasse a mudança de lado para explorar aptidões de ambidestro.

Igualmente não falei das cartas, mais adiante e-mails, que a nós chegavam. Não eram poucas, longe disso, mas na hora de selecionar algumas para publicação, a gente penava. A cada mês eu via confirmar-se minha impressão de que, na imprensa em geral, o leitor não o é. No caso da Playboy, então, mais próprio seria falar em “vedor”.

Nossa caprichada ração mensal de mulher nua suscitava uma quantidade razoável de manifestações escritas – bem poucas, porém, vazadas em linguajar publicável. O que me levou, devo agora confessar, a duas ou três vezes escrever eu próprio uma cartinha, sob pseudônimo, é claro, que nem a minha vizinha erótica. Se bem me lembro, cheguei mesmo a estabelecer uma discussão, em edições consecutivas, entre dois leitores fictícios. Mais um pouco e teria sido obrigado a apartar uma briga entre eles.

Lênin, Bandeira

Boa parte da correspondência, invariavelmente assinada com iniciais e portadora de súplicas para que nada se publicasse, vinha de moços inconformados com as dimensões, que consideravam insuficientes, daquela porção crucial de sua anatomia. Não era difícil imaginar a desolação com que eles confrontavam o espelho, depois de terem se esbaldado em filmes ou revistas onde se exibem garanhões desmesurados.

De nada adiantaria argumentar que o tamanho etc. etc. etc. (chegamos a fazer matéria em tom próximo da autoajuda), até porque muitos de nossos aflitos vedores já começavam pedindo que não viéssemos com essa conversa. Que fazer? – diria Lênin. Tocar um tango argentino, como no poema de Manuel Bandeira? Até hoje não sei como o exasperado redator-chefe resistiu à tentação de recomendar à tigrada que fosse cutucar uma onça com o que tivesse à mão.