A transição dos jornais impressos para um modelo multiplataformas tem muito impacto na gestão das empresas. Foi o que afirmou Antonio Manuel Teixeira Mendes, diretor-superintendente do Grupo Folha, no congresso da Associação Nacional de Jornais, em São Paulo.
O importante, afirmou o executivo, é que o caminho para o formato digital não afete a qualidade do conteúdo oferecido aos leitores.
“O centro de tudo é a Redação”, disse Teixeira Mendes. “O desenho fundamental é manter a Redação com muita força, com capacidade de produção de notícias.” O que muda, explicou, é que, “no digital, a tecnologia passa a ter uma importância que não tinha no papel”.
Ele mostrou um modelo teórico de transição das receitas publicitárias e de assinaturas, dividido em etapas.
Em sua avaliação, os diários brasileiros têm diante de si um momento favorável para trilhar esse caminho, pois não experimentam perda de receita publicitária e, com os pacotes digitais, podem agregar um novo universo de assinantes à sua base.
“Com o paywall [muro de cobrança por conteúdo digital], abre-se um novo momento para o jornalismo”, afirmou. “A tendência é que haja uma convergência para esse modelo. Jornalismo de qualidade é pago.”
Para Teixeira Mendes, as empresas devem rediscutir a maneira como negociam anúncios nos meios digitais.
Ele falou também sobre os últimos passos da Folhaem novas plataformas. O jornal foi o primeiro do país a erguer um muro de cobrança poroso, que libera a leitura gratuita de determinado número de reportagens e permite que apenas assinantes tenham acesso irrestrito.
O movimento, afirmou o executivo, multiplicou o número de assinaturas digitais do jornal e não provocou queda na audiência do site. Enquanto isso, a circulação do jornal impresso permaneceu inalterada e a publicidade manteve a tendência de crescimento que vinha mostrando antes da cobrança.
Mensagem semelhante foi passada, horas depois, pelo alemão Mathias Döpfner, diretor-presidente da Axel Springer, editora que tem mais de 200 revistas e jornais, entre eles o “Bild”.
Para ele, o tipo de mídia é irrelevante. O que importa é a qualidade do produto.
Ele disse que extrai muito do seu otimismo da tecnologia. “Estou convencido de que o jornal do futuro será como um lenço que você tira do bolso e tem todos os jornais e filmes que quiser ver nele.”
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ANJ discute seu programa de regulamentação
O diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais, Ricardo Pedreira, apresentou ontem [terça, 21/8], no segundo e último dia do congresso da entidade, um balanço de seu programa de autorregulamentação.
A ANJ vem estimulando os jornais a aderir a princípios como manter canais de atendimento ao leitor, estabelecer códigos de ética e publicar correções.
Após um ano de implementação, concluiu que todas as publicações têm canais para atender leitores, que 50 jornais reconhecem erros e divulgam correções e 26 já desenvolveram algum guia de ética.
O editor de Opinião de O Globo, Aluizio Maranhão, comentou que o sistema descentralizado é o mais indicado e que “um conselho de autorregulamentação seria inviável”.
Eugênio Bucci, professor da USP, defendeu “um acompanhamento cotidiano”, dizendo que “falta maturidade na cultura jornalística hoje” para tanto.
Carlos Eduardo Lins da Silva, presidente do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo) disse que o programa da ANJ é “muitíssimo pouco”.
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Tele ameaça independência, diz advogada
As teles, empresas que controlam as redes usadas para o tráfego de dados da internet, “são uma ameaça à produção de conteúdo independente”, de acordo com a advogada Carol Conway, diretora de assuntos regulatórios do Grupo Folha.
Ela fez o alerta ontem num debate sobre a neutralidade das redes. As teles fornecem conteúdo em condições competitivas melhores do que os produtores tradicionais de conteúdo, segundo ela.
Entre outras vantagens, elas têm gastos menores com insumos, oferecem conteúdo em condições diferenciadas e direcionam a publicidade.
Também participaram do debate David Hyman, advogado-chefe da Netflix, e João Rezende, presidente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
Rezende disse ser contra a discriminação, mas apresentou o que considera ser um dilema: quem vai financiar a expansão das redes?
Conway diz que as teles têm um retorno financeiro superior ao dos bancos, da ordem de 30%, e poderiam arcar com esses custos.
Hyman defendeu a neutralidade das redes por ser um serviço básico. “Banda larga é como eletricidade.”
Ele criticou as tentativas de regulamentação. Segundo ele, a intervenção eleva os custos para o consumidor e pode inibir a inovação.