Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“Não está satisfeito? Então sai”

A frase do título é, talvez, a mais ouvida quando se está diante de outra greve no serviço público. Algumas pessoas seguem o conselho e realmente saem. Resolvem seu problema particular e param de reclamar, pois alcançam melhores perspectivas em outros setores, ou mesmo em outros cargos públicos. A questão é que quem sai, meramente por ter saído, não resolve a questão sobre a qualidade do serviço. Sai, mas é substituído por alguém que brevemente desejará ir embora. É assim que algumas carreiras do funcionalismo ostentam altos índices de rotatividade entre os servidores. Há carreiras que são verdadeiros trampolins para outras carreiras…

Quem está no serviço público conhece bem essa realidade. Por falta de perspectivas de melhoria ao longo dos anos, o camarada entra no cargo, digamos, de analista judiciário, e raciocina: passarei uns anos por aqui até me fortalecer para passar em um concurso para a magistratura e tchau. Só que antes de passar ele permanecerá pelo menos por algum período no cargo de analista. Com a cabeça voltada para o futuro concurso da magistratura. Esse camarada irá dar o sangue enquanto analista judiciário? Não. Esse é o efeito da lógica “não está satisfeito, sai”. Isso acontece dia e noite.

Por outro lado, rotatividade lembra serviço privado. E serviço privado lembra suas ineficiências, das quais pouca gente lembra quando se fala em serviço público. Quem nunca teve um problema com as telefônicas que atire a primeira pedra. Ou um problema com algum banco. Ou com um plano de saúde… Quem nunca teve problemas desse tipo? Recentemente, a Anatel precisou intervir nas telefônicas, suspendendo as vendas das operadoras Brasil afora. Por conta da incompetência das operadoras. Ué, mas o serviço privado não é tão eficiente? Não é. E um dos motivos é o troca-troca de funcionários, diuturno.

Motivação e salário

Será mesmo que a lógica do troca-troca de pessoal é sustentável, do ponto de vista da população que necessita dos serviços a médio e longo prazo? O serviço público não pode parar, é certo. As greves são uma lástima. Mas também não se pode desejar um serviço público a andar com o freio de mão puxado por conta da insatisfação e frustração dos seus funcionários. É exatamente esse o efeito da inexistência de um plano de cargos e carreiras interessante. Quando se quer um bom serviço público, tem que se ter em mente o seguinte: isso tem custo. Eu, mero agente econômico individual, pelo menos, quando quero um bom serviço privado, não tenho dúvidas: procuro o melhor que meu bolso puder contratar. O que, obviamente, gera um custo para mim. Tudo tem preço nesse mundo. Com o serviço público não ocorre de maneira diferente.

Endurecimento com grevistas, degradação das condições de trabalho, redução de direitos previdenciários, arrocho salarial etc., infelizmente não conferem, magicamente, qualidade à prestação de serviços. Vamos ver a quantas passará a andar o serviço público ao longo dos próximos anos. Hoje ele é ruim, mas não há nada que não possa piorar. Melhorar é que é difícil: demanda esforço, sacrifício e dispêndio de dinheiro. Motivação passa, sim, pela questão salarial e ninguém gosta de ver seu poder de compra corroído pela inflação, a qual não tem sido levada em conta pelo governo na sua política salarial para os servidores.

Convicção geral

O custo de vida está elevadíssimo nas grandes capitais. Os imóveis, para ficar no exemplo que me parece mais eloquente, ficaram absurdamente caros de uns anos para cá. O salário está lá, imóvel, corroído. Simplesmente nivelar o serviço público pelo grosso da iniciativa privada, que tem péssimas condições de trabalho e salário, não me parece uma belíssima técnica de recursos humanos. As pessoas já fazem concurso para se refugiar do ambiente insalubre dos empregadores privados, a verdade é essa.

Com estabilidade e insatisfeitos. Não vejo como o serviço público possa andar assim, justo ele que tanto precisa melhorar. Mas, deixa para lá. Servidor público é marajá, diz o povo, alimentado nessa convicção pelo governo e pela mídia.

Em tempo: o socorro que o governo tem recebido da imprensa tradicional, chamada pelos progressistas de PIG, impressiona. Teria a teoria do PIG torcido o rabo?

***

[Lucas Costa é funcionário público, Recife, PE]