As colunas sociais dos jornais sempre tiveram um componente comercial, mas era acessório na maioria das colunas, onde o que hoje chamamos de merchandising (entre nós batizado de ‘chen’) era feito com certa discrição e até sofisticação. Nos últimos anos o problema se agravou e se transformou numa praga na imprensa: a maioria das colunas sociais passou a ser usada como gazua para faturamento escancarado, sem qualquer retoque. Usadas por pessoas inabilitadas, virou uma excrescência do jornalismo. Servem apenas aos interesses dos que as assinam, incapazes, às vezes, até de responder pelo que sai debaixo de seus nomes. Por um motivo simples: total incapacidade para lidar com a ferramenta de trabalho de quem escreve, o léxico nacional.
Mas há exceções: colunas corretamente escritas, bastante inventivas e bem informadas, mesmo quando várias de suas notas não passem de vitrines comerciais (tanto para o colunista quanto para a empresa que lhe cede o espaço, ambos partilhando a ciência de que os registros feitos não são risonhos e francos, muito menos gratuitos). Inebriados pelo sucesso, alguns desses colunistas ultrapassaram os limites que se impõem (ou, à falta de acatamento voluntário, são impostos) aos que praticam o jornalismo, ainda que indevidamente. Essas colunas estão se tornando núcleos de propagação de preconceitos ou de um elitismo rastaqüera, praticado por quem se julga cosmopolita (embora tenha começado ontem a conhecer o mundo), autorizado a servir de padrão de referência, presumindo-se detentor de amplo domínio cultural (na verdade, de almanaque), mas não passa de elite de mostruário de venda.
Pelo menos nesta primeira abordagem, não é indispensável citar nomes. Assim previnem-se chiliques e poupam-se desgastes pessoais, mas a individualização se tornará necessária se houver nova abordagem da questão. Pessoalmente, fico indignado ao ler em colunas sociais que fulano de tal mereceria o vômito como reação ‘se fosse o Geraldo peixeiro’; que não merece cliente a ‘gorducha’ que vende pupunha ao lado da C&A; a nova loja, aliás, além de situada num ponto sujeito a furtos e assaltos, pelo acúmulo de vendedores ambulantes, merece dó por ser freqüentada ‘por tanta gente feia’; a mesma gente feia atraída para a (supostamente) área clean, em torno da Doca pela má novidade da instalação, ali, de um posto do Detran.
Espelho da consciência
Esse tipo de visão consolida o Brasil (com ênfase especial no Pará) como o país mais discriminador que há no planeta, o mais injusto e, cada vez mais, um dos mais violentos. Porque se o inferior não encontra o seu lugar, é preciso bater nele para que se reduza à posição que cabe nessa sociedade quase estamental, de casta. Mesmo que a repressão se expresse através de palavras e conceitos, como os que germinam qual praga nas colunas sociais.
Roberto Jares Martins, que foi um dos primeiros colunistas sociais (cronologicamente e pelo critério de qualidade), costumava dizer que esses espaços têm que ser discriminatórios. Mas no sentido de que seus freqüentadores só devem se tornar notícia por merecimento, seja o pessoal quanto o institucional; e, também (no que se constitui seu sentido discriminatório), por tradição. Estes são os integrantes de famílias que se tornaram elite há algumas gerações, usufruindo um patrimônio construído pelo trabalho dos antecessores, ainda que uma parte dessa fortuna geralmente se tenha formado à base do dinheiro público (o que levou Proudhon a sentenciar: toda propriedade é um roubo). Mas é assim que caminha a humanidade, ou caminhou, até que os mecanismos de proteção do erário se tornaram mais eficazes (sem se tornarem nunca 100% seguros, meta utópica).
Pessoas assim costumam ser inteligentes, simpáticas, encantadoras ou bonitas. É o charme discreto da burguesia, ironizado e execrado por Luís Buñuel, ainda assim um encanto. É um resíduo do ancien regime, que sobrevive aos grilhões da massificação, às vezes confundido com igualitarismo. Tem, nessa dimensão, sua legitimidade, inclusive para figurar em colunas sociais atentas a esse acervo atemporal. Mas em colunas sociais como as que se tornaram padrões desse tipo de jornalismo e dessa maneira se afirmaram, como as de Jacinto de Thormes e Zózimo Barroso do Amaral. Em supermercados de notas pagas, como são a maioria das colunas sociais da terrinha, nas quais vira estrela ou se torna sucesso quem comparece ao caixa, isso é escárnio, uma ofensa à sociedade, ao jornalismo e às regras elementares da civilidade.
Que esses colunistas se olhem no espelho da consciência, mesmo aquela de curto fôlego, e contenham-se. Pelo que são e não pelo que pensam (e dizem) que são.
Preciosidade
O Diário do Pará reproduz, às quintas-feiras, uma das melhores programas de leitura que se pode ter na imprensa. São pequenos e antológicos ensaios escritos por Kenneth Maxwell, que nasceu inglês, se tornou americano por opção e é luso-brasileiro por devoção. O texto é compacto e denso, não pelo que está contido na meia dúzia de parágrafos, mas pela cultura que comanda a escrita. Com sutileza, ironia e humor (do tipo verdadeiramente sardônico, insuscetível à diluição açucarada), Maxwell vai da jornalismo à história, volta do cotidiano aos tempos passados, salpica de arte o econômico ou político, transita sem abalo pelos continentes e por todos os temas, e, por fim, inocula a dúvida, suscita a incredulidade, desarruma o bem-posto e desfaz raciocínios cristalizados. É uma fonte de estímulo permanente ao exercício do pensamento. Um clássico em conta-gotas de cristal.
Periodicamente, Kenneth Maxwell nos brinda com livros iluminados. Uns, de sólida e depurada pesquisa, se lançam sobre temas da nossa história, tornando-se fontes de referência indispensáveis sobre a inconfidência mineira e o marquês de Pombal. Outros são insights sobre a conjuntura, na linhagem do melhor ensaísmo britânico, que sempre me remetem a Bertrand Russell. Mas Maxwell não produz a partir de uma torre de marfim: sempre faz incursões aos sítios do seu interesse intelectual, inclusive Belém do Pará.
Agora que temos a preciosa possibilidade de apreciá-lo semanalmente, convém não perder nenhum dos seus artigos. Trata-se de matéria impossível de encontrar nos supermercados da praça.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)