Friday, 29 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Homofobia justificada?

Nos últimos dias, um vídeo de Joelma, vocalista da Banda Calypso, teve bastante repercussão na internet. O motivo disso é que no vídeo a cantora foi registrada dizendo a um fã que ele deveria “deixar de ser gay”. Logo depois, houve todo tipo de revolta contra essa atitude da cantora. No Twitter, lançou-se a campanha “Cala a boca Joelma”, que chegou aos trending topics (assuntos mais comentados do microblog). Outras pessoas, inclusive homossexuais, desaprovaram a campanha, afirmando que Joelma tem o direito de se expressar e que essa reação reforçava a ideia de “ditadura gay”.

Porém, vejamos: ninguém escolhe ser gay. Ou será que alguém, em sã consciência, simplesmente escolheria ir contra aquilo que predomina na sociedade, sujeitando-se ao preconceito e à discriminação e muitas vezes arriscando o amor da própria família e amigos se isso não fosse parte de sua identidade e algo que o faz feliz? Levando isso em consideração, as pessoas nascem hetero ou homossexuais. Ou seja, no momento em que Joelma diz “deixa de ser gay” ao fã homossexual, seria equivalente a dizer “deixa de ser negro” a um afrodescendente.

Há o argumento religioso contra os homossexuais, entretanto. Mas se pararmos para analisar um pouquinho a história, já foi usado o argumento religioso contra os negros, que diz que estes são descendentes de Caim. Logo, se reconstruíssemos a cena e colocássemos um negro no lugar do rapaz homossexual, Joelma então, baseada no argumento de que aquele negro tem em si a “mancha de Caim”, poderia “aconselhá-lo” a deixar de ser negro?

Imposição religiosa

Quero deixar claro aqui que Joelma justificou o ocorrido, assim como seu fã, dizendo que tudo não passou de uma brincadeira mal interpretada. Mas o que tento retratar neste texto, usando essa cena, é a questão do limite da liberdade de expressão, da preocupação – até dos próprios homossexuais – com a “ditadura gay”, e do medo da voz LGBT, uma vez que, em busca de respeito, sem a intenção de ofender ninguém, temem questionar a religião.

No vídeo, Joelma diz que homossexuais não são capazes de ser felizes nem dar orgulho à família. E o pior é que, de fato, às vezes acontece, e não por amarem pessoas do mesmo sexo, mas pelo preconceito que ainda está presente na nossa sociedade e que é reforçado cada vez que uma figura pública, como Jair Bolsonaro e Myrian Rios, expressa algo como o que a cantora disse, mas falando sério.

Se alguém acredita que amar e ter atração sexual por uma pessoa do mesmo sexo é errado, então a própria pessoa que obedeça isso, ao invés de tentar impor aos outros – que podem nem mesmo compartilhar de suas crenças. Por exemplo, se um sujeito acredita numa religião que é contra o aborto, então essa pessoa que não aborte. Mas não é certo impor aquilo que a sua religião diz para o resto do mundo (como muitos dos políticos religiosos fazem, baseando-se em suas próprias crenças, vetando o direito de abortar – coisa que só é proibida àquelas que não têm dinheiro para subornar um médico e precisam se submeter a introduções de agulhas de tricô no canal vaginal).

Igualdade e direito à liberdade

Afinal, de acordo com as próprias crenças cristãs, religião de muitos que pregam a homofobia no Brasil, nem mesmo seu livro sagrado justifica tal ato, uma vez que, se o analisarmos, está escrito nele que devemos amar uns aos outros como a nós mesmos e que fazer a acepção de pessoas é pecado, pois nem o próprio Deus o faz.

Portanto, ninguém, principalmente uma figura pública, devia impor suas convicções pessoais aos outros, tão incomodados com aqueles que não querem "ser salvos". Não cabe a ninguém julgar ou afirmar, diante de câmeras ou não, qualquer coisa que inferiorize homossexuais.

Logo, não é uma questão de “ditadura gay”, mas de necessidade de respeito à diversidade, num mundo que, mesmo depois de tantos avanços, anda tão perigosamente intolerante. Portanto, devemos, sim, ser radicais, para que todos, mesmo que se incomodem, aprendam a respeitar o diferente e, mesmo que possuam qualquer convicção preconceituosa, que deixe esta para si, ao invés de expor, assim como já acontece em relação aos negros. Não se trata de uma questão de obrigar todos a amar homossexuais e conceder-lhes “privilégios”, e sim, de igualdade, do direito à liberdade, sem precisarem estar sujeitos a desprazeres e constrangimentos. Nenhum ato discriminatório ou que fere os direitos humanos previstos para todos os indivíduos na nossa Constituição pode ser justificado por crenças religiosas.

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[Christiany Yamada é estudante, Castanhal, PA]