Foi rápido. Uma vitória parcial da Apple no caso que move contra a Samsung era razoavelmente esperada. Que os jurados fossem demorar apenas três dias e que o placar fosse de goleada, muito pouca gente imaginava. O resultado não é final. A juíza pode decidir não seguir o voto dos jurados, mas é improvável. A Samsung provavelmente vai recorrer, mas isso demorará muitos meses. No ritmo em que as decisões são tomadas em empresas de tecnologia, este resultado basta. Mudanças acontecerão. Hora de perguntar: quem perde o quê?
A briga da Apple se dava em dois campos. No dos smartphones e no dos tablets. No dos tablets, não ganhou nada. Então, neste cenário, tudo continua como está. O impacto no mundo dos smartphones, porém, é gigantesco. A briga da Apple tinha a sul-coreana Samsung como alvo primário e o Google, que faz o sistema Android, como secundário. Há uma vitória clara no primeiro caso; no segundo, bem menos.
Vencer a Samsung não é pouco. Segundo a Gartner, a Samsung lidera a venda de celulares no mundo. Foram 86 milhões de unidades nos primeiros três meses deste ano, quase 21% do mercado. É de longe a maior fabricante de celulares Android. A Nokia, em segundo, tem 20% do mercado e a terceira, Apple, tem 7,9%. Em número dois dentre fabricantes que utilizam o sistema Google está a ZTE chinesa, que vendeu 17 milhões de aparelhos. É um quinto do tamanho da Samsung, meia Apple.
Samsung copiou a Apple
Tem gente que não gosta de encarar o fato. Como em brigas políticas, as disputas de partidários de uma plataforma e outra, na internet, tomam cores irracionais. Têm mais a ver com filosofia ou gosto pessoal do que com fatos frios. O iPhone foi uma ousadia. Não tinha teclado, quase todo o corpo do celular era tela, privilegiava a navegação pela web. Não quer dizer que ninguém tivesse pensado em fazer algo assim antes. Quem lançou e impôs este novo padrão, porém, foi a Apple. Mas, a partir do momento em que há um novo padrão no mercado, quais os limites para os concorrentes? Esta era a pergunta que os jurados tinham à frente.
O iPhone é um pacote sofisticado. Ele tem um jeito de ser. Quando o usuário desliza o dedo até o fim de uma tela, a janela quica levemente informando que é o fim. Para ampliar uma imagem, é preciso antes tocá-la com polegar e indicador para, depois, afastar os dedos um do outro. Parece, e é, intuitivo. Mas o intuitivo não é simples. Alguém tem de imaginar cada detalhe desta relação com o aparelho. Testar, jogar ideias fora, testar novamente e aí botar à venda e torcer para que o impacto, entre consumidores, seja bom.
O Android original não tinha tela quicando ou zoom com dedos neste gesto. O resultado é uma experiência menos fluida, menos bem acabada. Sobre este Android cru, a Samsung colocou uma camada de interface que batizou Touchwhiz. Até os ícones lembram os do iPhone. Não é suficiente para enganar o consumidor, mas é um esforço milimétrico de cópia da experiência.
Conta saiu barata
A mais nova versão do Android, Jelly Bean, é fluida e suave como o sistema num iPhone mas não tem nada a ver com o jeito da Apple. Uma experiência própria. Por isso mesmo, o Google correu para afirmar: foi a maneira como a Samsung implementou o Android que foi condenada, não o sistema.
Este é um ponto importante. Tecnologia demora para ser desenvolvida. O iPhone demorou entre um ano e dois para virar o padrão. Naqueles anos iniciais, a Samsung ganhou tempo copiando. Ganhou mercado. O Google teve tempo para aperfeiçoar o Android e dar a ele personalidade. Mas este é tempo perdido. Correndo por fora, o mais recente Windows Phone não lembra nem de longe a experiência que Apple e Google oferecem. Tem lógica bem distinta, mas é também, a seu jeito, elegante. Daqui para a frente, tais diferenças serão provavelmente mais incentivadas.
Para a Samsung, porém, saiu barato. É o argumento de Nilay Patel, do site The Verge. Com o Android adaptado para parecer ainda mais o iPhone, ela passou a Nokia e virou o maior fabricante de smartphones do mundo. Lucrou dezenas de bilhões de dólares. Mesmo que o processo terminasse nesta fase, com uma indenização de US$ 1,049 bilhão, a conta saiu barata. No mundo real, as coisas funcionam assim.
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[Pedro Doria, de O Globo]