Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A imprensa que o país merece (2)

Volta e meia alguém reclama aqui da mistura de críticas à imprensa e ao governo, como se ambos não fossem como unha e carne, não se complementassem. É claro que o ideal seria que esse processo de avaliação transcorresse em meio à maior isenção e imparcialidade possíveis, mas como na seara política cada um trata de puxar a brasa para sua sardinha, ainda mais num ambiente predominantemente aculturado como o nosso, é quase inevitável que o sectarismo acabe prevalecendo. No que os mais exaltados partidários esquerdistas e direitistas não diferem, diga-se de passagem.


Isto posto, quero deixar claro que não condiciono o direito a opinião ao fator sociocultural, como alguns interpretaram em meu último artigo neste Observatório. Ora bolas, vivemos numa democracia, afastem de mim esse cálice. Não me oponho que cada um fale o que lhe der na veneta, mesmo as maiores sandices, assim como ninguém é obrigado a escutar bobagens e ficar calado. E quando digo que o país tem a imprensa que merece, talvez esteja de fato sendo injusto. Com a imprensa, bem entendido – reconhecidamente uma das mais plurais e capacitadas do mundo contemporâneo.


Não se trata de fazer a apologia de uma mídia que no fundo não é diferente das demais, e cujas mazelas e deslizes estão sempre a render farto material a observadores de todos os matizes. Nossa mídia erra sim, e muito; é tendenciosa, mercantilista, trapaceira, e por aí afora. Ninguém em sã consciência pode negar isso. Ainda assim, é o único instrumento capaz de exercer controle, vigilância e fiscalização efetiva sobre as ações dos governantes e acontecimentos em geral, missão que impõe certas responsabilidades – sobretudo ética e moral – sob pena de ser rejeitada automaticamente pela sociedade.


Desculpa esfarrapada


Por que os grandes jornais, Rede Globo, Veja e outros veículos tradicionais mantêm seu prestígio virtualmente incólume através dos anos, não obstante as derrapagens e as críticas recorrentes dos que os consideram porta-vozes dos interesses das elites e oligarquias? Estará o grosso da sociedade anestesiada, amorfa, indiferente aos rumos tomados pelo país? Rumos estes de certa forma induzidos imprensa, que apesar de uma natural rejeição ao discurso anacrônico das esquerdas, tem sabido tutelar o governo de maneira a conservá-lo dentro de fundamentos e diretrizes modernas, introduzidas na era FHC. Talvez, mas o mais crível é que essa imprensa conservadora, como desdenhosamente chamam seus detratores, continua firme e forte porque bem ou mal tem dado conta do recado e atendido aos anseios de uma sociedade que ainda não aprendeu a ser mais exigente.


Confesso que me é difícil digerir aquilo que não corresponda a uma visão mais laica das coisas. Uma postura que se coloque de maneira mais neutra e eqüidistante, ou que pelo menos não esteja contaminada pelas idiossincrasias e preconceitos da doutrinação político-partidária, seja de que vertente for. Lavagem cerebral – ou camisa-de- força, se quiserem – que impede que se reconheça, por exemplo, que o governo lulista costuma dar motivos de sobra para que a imprensa pegue no pé, como ainda agora, com essa lorota de que não haveria aumento de impostos e taxações para suprir a falta da CPMF.


Independentemente do acerto ou não da medida, que como sempre há os prós e contras, Lula poderia ter poupado o país de uma mentira tão deslavada e, de quebra, o ministro Guido Mantega pespegar um verdadeiro nariz de palhaço na patuléia com a justificativa de que a promessa valia apenas para 2007.


Como leigo, não sei se o tal ‘pacote da maldade’, como definiu Veja (edição 2042, de 9/1/2008) com a contundência habitual, era realmente necessário e o mais apropriado, coisa que só o tempo dirá. Na própria imprensa as opiniões se dividiram, após um primeiro momento de críticas à presteza com que o governo abortou a promessa de não elevar impostos, e outra corrente, não necessariamente governista – a própria Folha de S.Paulo acabou optando por um enfoque mais moderado –, anuindo a tese governista de que a elevação do IOF se fazia necessária para refrear o consumo, que efetivamente fez a festa do comércio nesse final de ano.


Tudo bem, melhor uma desculpa esfarrapada do que nenhuma. Já Veja acha que a medida tem efeito meramente cosmético, pois tende a funcionar apenas nos primeiros meses, considerando que a provável retração acarretada pelo encarecimento do crédito pode repercutir em toda a cadeira produtiva, afetando a arrecadação de impostos no geral.


Tríduo momesco


De qualquer forma, estava mesmo na cara que o governo iria apelar para a solução mais fácil, ou seja, repassar para a sociedade o ônus de sua incompetência, a princípio com o aumento de dois impostos que terão efeito-cascata em todos os setores. Ou alguém é ingênuo de acreditar que os bancos e o próprio comércio não tratarão de repassar os custos para a população, como sempre acontece?


A alegação de que a elevação do custo financeiro das operações de crédito pode ter vindo em boa hora, para conter a expansão de consumo dos últimos meses, pode até ser procedente, mas não deixa de contradizer o ufanismo de um discurso que se vangloria por coisas que não consegue cumprir, como um crescimento consistente e livre de sobressaltos.


O fato de Lula exibir uma popularidade até agora inabalável tem lhe garantido um relativo sossego, além de uma espécie de salvo-conduto que o livrou até do descalabro de seu partido, o PT, no que não foi tão inocente assim, como abriu agora seu ex-braço direito José Dirceu, na rumorosa matéria da revista Piauí. A novidade neste início de ano é a mudança significativa desse panorama, com o desafio de manter a economia nos eixos em meio a uma perda considerável de recursos, o que vai exigir, como já foi dito, não só um redimensionamento engenhoso da política econômica como habilidade de negociação com o Congresso. Capacidade que nunca esteve tão em xeque como agora, após a vitória da oposição no episódio CPMF.


Por enquanto, tudo ainda são conjecturas e a própria imprensa parece estar curtindo férias, com suas edições recheadas de anúncios e banalidades. Se é certo que o ano no Brasil só começa após o carnaval, menos mal que neste ano o reinado de Momo será mais cedo.

******

Jornalista, Santos, SP