Há quinze anos (5/12/1997), estreou no Observatório da Imprensa o professor Antonio Fernando Beraldo, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Ele iniciou o tópico com a seguinte afirmação:
“A divulgação de cifras e estatísticas, nos meios de comunicação, tende a distorcer a compreensão da realidade dos fatos, seja por falta de conhecimento das técnicas aplicadas na Estatística, seja por um mascaramento intencional das informações, buscando o sensacionalismo e a tendenciosidade.”
Beraldo releu o artigo (“O número-notícia”) e constatou que “pouco ou nada mudou no tratamento que a mídia, em geral, dá aos números. Continuam as análises apressadas, as inferências espúrias, as correlações indevidas e, em alguns casos, a simples e bruta má-fé”, como escreveu em mensagem para o Observatório da Imprensa.
A má-fé está plasmada na operação de porta-vozes oficiais, bem-sucedida junto à mídia jornalística, de transformar números – eventualmente positivos do ponto de vista das finalidades político-partidárias ou eleitorais, claro – em retratos da realidade.
A situação da (in)segurança pública, por exemplo, pode estar se tornando mais complexa e perigosa, mas sempre haverá números que autoridades policiais exibam para convencer os eleitores do contrário.
“Segundo as estatísticas…”
O Globo de quinta-feira (6/9) publicou: “Alunos são assaltados a caminho de escolas de Botafogo e Humaitá [bairros do Rio de Janeiro]. Quinze ataques nos arredores de uma escola particular em agosto”. A reportagem ouviu o diretor do Colégio Andrews e menciona um texto publicado pela direção do Colégio Santo Inácio em seu site (leia aqui). São informadas as ruas em que a maioria dos assaltos têm ocorrido.
A reportagem do Globo não conseguiu falar nem com a delegada do 10º Distrito Policial, nem com o comando do 2º Batalhão da PM, encarregados da investigação e do policiamento na área. Mas ao portal G1 a delegada Andrea Menezes, do 10º DP, declarou que “as estatísticas de assaltos nas ruas de Botafogo não fugiram ‘da normalidade’ nos últimos dois meses”.
Imagine o leitor que um assaltante contumaz na área tenha resolvido deixar de assaltar adultos para assaltar escolares. O número poderá ficar inalterado, mas a gravidade do problema é maior (e também a sensação de insegurança da população).
A reação de negar problemas é típica de quem pensa no efeito político da notícia, ou, pior (?), de quem não está disposto a se mexer para averiguar o que realmente está acontecendo. Ou as duas coisas juntas, hipótese que provavelmente contempla um número considerável de servidores das instituições policiais. Mas, só para chatear, existem jornais e outros meios de comunicação.
A caricatura da atitude de negação foi captada com extrema argúcia pelo jornal francês Le Monde há cerca de 35 anos, quando caiu na Bulgária um avião em que viajavam vários generais. No estilo soviético de desinformação, o governo, questionado a respeito, respondeu que não tinha acontecido nada. E dali em diante o Le Monde passou meses escrevendo o nome do país com um aposto: “A Bulgária, país onde não acontece nada…”
O RUF e o mercado
Problemas com pesquisas podem se apresentar de muitas maneiras. Na segunda-feira (3/9), a Folha de S. Paulo publicou seu “RUF”, Ranking Universitário Folha. Observemos o condescendente silêncio sobre o que a comunidade científica brasileira pensa a respeito dessas classificações. Partamos do trabalho propriamente dito.
Os cinco primeiros colocados foram USP, UFMG, UFRJ, UFRGS e Unicamp. Um professor da Unicamp puxou um fio da trama. Escreveu (Folha de S. Paulo, 5/9):
“Uma iniciativa louvável o caderno ‘RUF – Ranking Universitário Folha’ (3/9). Surpreendeu, no entanto, a quinta posição ocupada pela Unicamp, visto que essa universidade figura em praticamente todos os rankings internacionais como a segunda melhor universidade do Brasil e a terceira melhor da América Latina. Observando a composição da nota, constata-se que a Unicamp aparece como a primeira no indicador de inovação e a segunda nos indicadores de qualidade de ensino e de pesquisa, superada apenas pela USP. Sua quinta posição se deveu, como mostram os números, à sua baixa avaliação pelo mercado. Independentemente da escolha, do número e da representatividade dos profissionais de mercado consultados pelo jornal, para mim há outro resultado a ser lido: a amostra de mercado selecionada desconhece a qualidade da Unicamp. João Batista Fogagnolo, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp (Campinas, SP).”
Como escreveu o professor Beraldo há 15 anos, a falta de conhecimento das técnicas aplicadas na Estatística muitas vezes distorce a compreensão da realidade dos fatos.