Pense em quantos e-mails você envia em um dia, quantos sites você acessa por hora ou qual o número de caracteres digitados em um minuto da sua vida virtual. São números assustadores que representam não só o lado luminoso da tecnologia, com toda sua facilidade de comunicação e conhecimento, mas também uma faceta obscura, envolvendo violações de direitos e até mesmo a configuração de crimes.
Importante reconhecer que os dados em um ambiente eletrônico não representam apenas bits e bytes, mas também expressam diferentes formas de propriedade imaterial, sendo esta entendida como um conjunto formado por diferentes formas de propriedade intelectual e industrial, tais como direitos autorais, marcas, patentes e diversos outros bens abstratos, todos protegidos por suas respectivas leis. Ao contrário do senso comum, para violar a propriedade imaterial de uma empresa por meio virtual não é necessário ser um agente secreto ou um hacker experiente. Pelo contrário, em razão de sistemas digitais vulneráveis e de políticas de segurança da informação ineficientes, a incidência desse tipo de problema tem sido cada vez mais recorrente não apenas em setores estratégicos, tais como de pesquisa e desenvolvimento, mas também em áreas administrativas, financeiras e contábeis.
Deste modo, um funcionário prestes a se demitir não costuma encontrar grandes dificuldades em inserir um pen drive em sua máquina de trabalho e copiar um enorme volume de arquivos contendo informações confidenciais da companhia, seja para uso posterior ou então para repassá-las a terceiros. Talvez este mesmo empregado não saiba, mas este seu conjunto de atitudes se enquadra perfeitamente em uma das hipóteses do crime de concorrência desleal, previsto no artigo 195, inciso XI, da Lei nº 9.279, de 1996.
Os riscos do ambiente virtual
Igualmente criminoso é aquele que obtém fraudulentamente senha de terceiro para acessar área restrita da empresa, transferindo determinadas informações confidenciais para sua conta de e-mail pessoal, utilizando-as em proveito próprio. Desta vez, a conduta delituosa está prevista pelo inciso XII do artigo e lei já citados, sendo que em ambos os casos a pena pode ser de três meses a um ano de detenção ou multa.
Em alguns casos, o empregado até reconhece a ilicitude de seus atos, entretanto não consegue dimensioná-la corretamente. A título de exemplo, ao acessar um site de compartilhamento de arquivos, executar o download de um livro e compartilhá-lo com seus colegas de trabalho, talvez não imagine que tal ação está tipificada como o crime de violação de direito autoral, previsto pelo artigo 184 do Código Penal, também com pena de três meses a um ano de detenção ou multa.
Para proteger sua propriedade imaterial e evitar situações em que seus funcionários figurem como réus em uma ação penal, as empresas devem formular políticas de segurança da informação eficazes, controlando e monitorando o conteúdo acessado em seus sistemas, bem como firmar termos de compromisso com seus empregados, cientificando-os do teor de tais políticas, bem como dos riscos do ambiente virtual. Em caso de violação, não há dúvidas quanto à necessidade da adoção das medidas jurídicas adequadas, tanto para reparar a violação consumada, como para coibir futuras.
Crescimento dos crimes
Entretanto, o maior desafio para solucionar juridicamente tais conflitos reside em sua abordagem concreta, de prática forense. Não que a polícia e os tribunais estejam alheios aos problemas legais atrelados à tecnologia, pelo contrário, é louvável e necessário o esforço dos magistrados e delegados em adequar a aplicação do direito a essa realidade já consolidada; porém, muitas vezes o cerne do problema é estrutural.
Em âmbito policial, apesar das grandes capitais possuírem departamentos especializados para tais matérias, tal como a Delegacia de Delitos Cometidos por Meios Eletrônicos (DIG), em São Paulo, ou a Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos (DRCI), no Rio de Janeiro, grande parte do território carece de órgãos públicos adequados para tratar da questão. Até mesmo estes distritos policiais especializados, bem como os Institutos de Criminalística estaduais (responsáveis pela análise pericial dos objetos dos crimes), encontram dificuldades relacionadas à sobrecarga de procedimentos, falta de pessoal e carência de investimentos em ferramentas de trabalho, tais como softwares e hardwares.
Perante o Judiciário, alguns destes problemas se repetem, bem como surgem outros, relacionados à correta dimensão da gravidade do ilícito. Para melhor entender, conforme previsão legal, alguns destes crimes contra a propriedade imaterial, tais como as hipóteses citadas de concorrência desleal, são processados mediante ação penal privada, ou seja, o particular ofendido é o responsável por constituir a prova do ilícito e dar seguimento à acusação, buscando a condenação do infrator. Em tal cenário, a atuação adequada do advogado é crucial, tanto para elucidar ao julgador as particularidades do tema, demonstrando a necessidade de reprimenda proporcional ao prejuízo sofrido, como para contornar as mais diversas situações, como a escassez de peritos judiciais e a necessidade de medidas legais de urgência.
Apesar dos percalços mencionados, já existem julgados fornecendo soluções legais para esses problemas. Entretanto, tais respostas estatais muitas vezes estão aquém do dano causado pelos crimes. Portanto, o trabalho futuro de superar as dificuldades práticas, bem como de interpretar e punir corretamente tais delitos, é indubitavelmente árduo. Por ora, a única certeza é o crescimento inexorável da prática destes crimes, bem como a inegável necessidade de buscar maior efetividade para reprimi-los criminalmente.
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[Fábio Loboscol é advogado especialista em direito penal empresarial do escritório Trigueiro Fontes Advogados]