Para quem aprecia a espetaculosa maratona midiática, que a cada quatro anos designa os candidatos que disputarão a Presidência dos Estados Unidos, as convenções dos partidos Republicano e Democrata, encerradas esta semana, não decepcionaram.
Sob alguns aspectos, elas mudaram pouco desde que H. L. Mencken as definiu, quase 90 anos atrás, como “vulgares, estúpidas, feias, tediosas, pesadas tanto para as esferas cerebrais mais elevadas como para o gluteus maximus – e ainda assim elas têm o seu charme”. Naquele ano de 1924 a convenção democrata durou 16 dias e precisou de 103 escrutínios até os delegados conseguirem indicar um candidato.
Mas convenções com disputas apertadíssimas entre pré-candidatos são coisas do passado. Hoje, os acirrados embates intrapartidários tendem a ser resolvidos no decorrer das intermináveis eleições primárias, com a desistência paulatina dos menos votados.
O republicano Mitt Romney chegou a Tampa, na Flórida, com o terreno já desbastado. E o presidente Barack Obama, candidato à reeleição, pôde se apresentar em Charlotte, na Carolina do Norte, com o caminho democrata desimpedido. Para ambos, tratava-se apenas de ser oficialmente ungido, sem surpresas nem sobressaltos.
Ainda assim, para cada um, a convenção foi de alta voltagem. Com ambos tecnicamente empatados nas pesquisas de intenção de voto e perto de 15 mil jornalistas credenciados na cobertura das duas convenções, o importante era sair dali com a imagem retocada e o eleitorado energizado. Com três dias de duração e quatro valiosíssimas horas de cobertura televisiva diária e ininterrupta, em horário nobre, os dois partidos montaram espetáculos destinados a “humanizar” seus respectivos candidatos. Adicionalmente, os republicanos deram mais ênfase na linha “derrotar Obama” do que “eleger Romney”, enquanto a tática adversária teve de ser oposta – prioridade para a urgência em reverter o desapontamento do eleitorado democrata com o desempenho do presidente até agora.
Valor dos debates
Embora convenções não vençam ou percam eleições, elas podem ajudar ou machucar. Num país tão abissalmente polarizado como os Estados Unidos de 2012, o punhado de eleitores ainda indecisos (eles não seriam mais de 90 mil) foi o alvo principal.
Tanto republicanos como democratas colocaram no palco palestrantes representando os nichos eleitorais mais visados: minorias, jovens, mulheres, aposentados etc. Foi um desfile de histórias sempre edificantes e narrativas de invariável superação. Nesta categoria, o depoimento mais contundente foi o da candidata democrata do Illinois, Tammy Duckworth, de características múltiplas. Filha de um fuzileiro naval e mãe sino-tailandesa, aos 15 anos era o arrimo da família. Grata aos programas e incentivos do governo que lhe permitiram concluir o ensino superior, alistou-se, tornando-se uma das primeiras mulheres a pilotar aviões de combate na guerra do Iraque. Quando seu helicóptero Blackhawk foi atingido por uma granada que explodiu no seu colo, teve uma perna arrancada, a outra inutilizada e um braço em pedaços. Sobreviveu graças aos companheiros de farda. Ao concluir sua fala, saiu do palco apoiada numa bengala, com as duas pernas mecânicas à mostra. Roubou a cena.
O duelo indireto entre as esposas dos dois candidatos acabou sendo decidido nos primeiros minutos. Michelle Obama obliterou o bom desempenho que Ann Romney tivera na semana anterior já ao adentrar o palco. Enfiada num estiloso vestido de seda rosa e cobre perfeito para sua silhueta esguia e musculosa, deixava à mostra seu acessório mais arrasador: o par de braços e ombros bem torneados. Criado no ateliê de uma modista afro-americana de Detroit, e vendido por menos de 400 dólares quando chegar às lojas, o vestido recebeu 28 mil comentários no Twitter em menos de uma hora. Nocaute total no elegante e clássico Oscar de La Renta vermelho de US$ 1.980 usado pela senhora Romney.
A missão das duas mulheres era a mesma: traçar um retrato mais pessoal e íntimo do marido-candidato. Nenhuma pareceu constrangida em descrever episódios dos tempos de namoro nem em reiterar declarações de amor amadurecido pelo tempo. Mas a contundência, a segurança e a naturalidade com que Michelle Obama construiu uma visão íntima do caráter e valores do parceiro arrebataram todos. Poucos notaram que ela omitiu qualquer menção às suas credenciais acadêmicas de advogada formada por Harvard, comparáveis às do marido. É a América, ainda a anos-luz da Europa na configuração do papel de primeira-dama.
Será difícil esquecer do delicioso e delirante diálogo de Clint Eastwood com uma cadeira vazia, na categoria hors-concours. E impossível não registrar a memorável aula de oratória dada pelo ex-presidente Bill Clinton, que fez um dos grandes discursos políticos dos tempos modernos em defesa de Obama. Coisa de craque, soberano no comando da plateia, do vocabulário, do gestual, do tempo e do espaço. Sem dúvida o político mais sagaz da cena americana.
Resta a Mitt Romney e Barack Obama mostrar o quanto valem nos debates televisionados dos próximos dois meses.
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[Dorrit Harazim é jornalista]