Sei que estou um pouco atrasado, mas nas últimas semanas tive de fazer mais de uma escolha de Sofia. No fim da última coluna, prometi trocar duas palavras sobre o nome da bola da Copa-2014 e sobre o barulho causado pelo “porque” do bilhete que a presidente Dilma Rousseff mandou a duas ministras.
O “porque” do bilhete da presidente Dilma vai ficar para outro dia. Hoje haverá espaço apenas para a bola da Copa, cujo nome “oficial” (“Brazuca”) causou alguma polêmica nas últimas semanas. O nome vitorioso passou por cima de “gorduchinha” (palavra que, dizem os papas do processo, os gringos não conseguiriam pronunciar), “samba”, “carnavalesca”, “bossa nova”, “caramuri” e sabe Deus mais o quê.
O fato é que muita gente ficou indignada com o “z” de “brazuca”, termo que, obviamente, vem de Brasil, que, ao menos por aqui, ainda se escreve com “s”… Impossível não pensar na genial canção “Querelas do Brasil” (melodia do saudoso Maurício Tapajós; letra genial do genial Aldir Blanc): “O Brazil não conhece o Brasil / o Brazil nunca foi ao Brasil…” Em sua magistral interpretação, Elis Regina pronunciava “Brazil” à moda gringa, para que ficasse clara a contundente mensagem de Aldir, infelizmente ainda tão atual.
Tudo tem limite
Segundo informações da multinacional que vai fabricar a tal bola, “a grafia com ‘z’ simplificou o processo de registro oficial do nome no exterior, pois baseia-se no nome internacional do país (Brazil)”. Então tá! Papai Noel existe, a cegonha traz os bebês, a cidade de São Paulo é organizada e muito bem administrada, o transporte público no Brasil é uma maravilha etc. Haja paciência! Onde se lê “nome internacional”, leia-se “nome em inglês”. Em italiano, é “Brasile” (lê-se “brazile”); em espanhol, “Brasil” (lê-se “brassíl”); em francês, “Brésil” (lê-se “brezíl”); em alemão, “Brasilien” (bem, não me atrevo a dizer como se lê) etc.
É fato que nós já grafamos “Brazil”, mas isso foi há muito tempo… Também é fato que, como bem me lembra a amiga e colega Thaís Nicoleti e como atestam alguns dicionários, o uso de “brasuca” (que, em português, assim se escreve) nasceu em Portugal e pode ser jocoso, pejorativo. Salvo engano, “brasuca” parece estar para “brasileiro” assim como “portuga” está para “português”. Mesmo por aqui, o termo “brasuca” foi usado durante um bom tempo com tom negativo e não sei não se ainda não é assim. Estranhamente, a última edição do Houaiss não registra o termo (a penúltima o registra), mas, no sufixo “-uca” afirma o seguinte: “Pejorativo, empregado em…” Sabe qual é o primeiro exemplo? É justamente “brasuca” (outro dos inúmeros exemplos é “mixuruca”).
Como se vê, não bastou a escolha de um nome de gosto duvidoso; foi preciso acrescentar-lhe um “z” para dar-lhe tempero que agrade ao paladar da matriz… Quem sabe com a difusão de “brazuca” os gringos se convençam de vez de que a capital do Brazil é Buenos Aires…
E assim ficamos: brazuca, paralímpicos etc. Acordos, conchavos, patentes y otras cositas más norteando a nossa grafia… É bom que se diga que a ortografia, nem de longe, é a parte mais importante dos estudos linguísticos, mas devagar com o andor. Tudo tem limite. É isso.
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[Pasquale Cipro Neto é colunista da Folha de S.Paulo]