A neurocientista e baronesa britânica Susan Greenfield, de 61 anos, faz questão de ser uma voz dissonante em meio à empolgação de muita gente com o potencial das redes sociais e da internet. Para ela, há razões para acreditar que a vida virtual está criando uma geração de pessoas menos inteligentes e menos capazes de empatia – um ponto de vista que já lhe rendeu desafetos dentro e fora da comunidade científica.
A baronesa Greenfield, que leciona na Universidade de Oxford (Reino Unido), está no Brasil para o ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento. Sua conferência na Sala São Paulo, na capital paulista, acontece hoje [terça, 18/9]. Confira abaixo trechos da entrevista que ela concedeu à Folha.
Como a sra. começou a se interessar pelo impacto das novas tecnologias sobre o cérebro humano?
Susan Greenfield– Comecei a discutir esse assunto em 2009, na Câmara dos Lordes [órgão do Parlamento britânico do qual ela faz parte], quando houve um debate sobre a regulação do uso da internet e possíveis efeitos nocivos de seu uso sobre crianças.
Como neurocientista, o que eu levei em consideração nesse debate é o fato de que o cérebro humano evoluiu para responder a estímulos muito diferentes dos que estão afetando o desenvolvimento das crianças de hoje. Isso não é um julgamento de valor, é apenas um fato. E, quando você olha a literatura científica recente, há sinais consideráveis de mudanças, embora obviamente precisemos de mais estudos para entender exatamente o que está acontecendo. Sabemos, por exemplo, que o uso de redes sociais e de videogames pode ter efeitos bioquímicos muito parecidos com os do vício em drogas no cérebro. No ano passado, um trabalho com tomografias mostrou anormalidades estruturais ligadas a esse tipo de comportamento. Também há testes mostrando um aumento de problemas de compreensão verbal e um declínio na capacidade de empatia. É claro que as pessoas podem dizer que se trata de uma correlação, que não necessariamente uma coisa causa a outra. É um argumento válido, mas também é o mesmo argumento que as pessoas usavam nos anos 1950 a respeito da relação entre fumo e câncer de pulmão – até os epidemiologistas mostrarem que a relação realmente envolvia uma causa e um efeito.
“Velocidade mental não é a mesma coisa que sabedoria”
A sra. foi muito criticada por levantar essa hipótese. Esperava reações tão violentas?
S.G.– Sim e não. Por um lado, é assim que a ciência funciona, as críticas são esperadas e necessárias. O problema é quando elas se tornam pessoais. Como se diz na Austrália, você tem de chutar a bola, e não o jogador. E, claro, muita gente está ganhando muito dinheiro com isso e não vai gostar se alguém como eu tenta estragar a festa (risos).
Também temos visto uma melhora constante nos níveis de QI no mundo todo nas últimas décadas. Isso não significaria que as mudanças tecnológicas também têm efeitos positivos sobre o cérebro?
S.G.– De fato, há indícios de que o uso de videogames pode melhorar a memória de curto prazo e a agilidade mental, por exemplo. Isso é verdade, mas não acho que seja a história toda. Velocidade mental, capacidade de processar informações com rapidez, não é a mesma coisa que entendimento ou sabedoria. O que nós não estamos vendo, apesar dos avanços mensuráveis no QI, é um aumento dos insights sobre a condição humana ou da imaginação, por exemplo.
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[Reinaldo José Lopes, editor de “Ciência+Saúde” da Folha de S.Paulo]