Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

“O noticiário político está pegando fogo com a disputa acirrada pelo segundo lugar na corrida eleitoral em São Paulo e com o julgamento do mensalão caminhando para a sua fase mais crítica.

Num momento de ânimos muito acirrados, a manchete da Folha de quarta-feira passada teve o efeito de uma bomba. No impresso: 'Haddad diz que associá-lo a José Dirceu é degradante'. No site: 'Haddad diz que é degradante ser ligado a Dirceu e Delúbio'.

Quem lesse só os títulos concluiria, como disse um leitor, que o candidato petista, num momento confessional, admitiu algo que estava entalado na garganta.

Não era isso. A campanha de Fernando Haddad tinha tentado proibir na Justiça Eleitoral uma propaganda de José Serra que afirmava que votar no adversário implica trazer de volta José Dirceu, Delúbio Soares e Paulo Maluf.

'Sabe o que acontece quando você vota no PT? Você vota, ele volta. Fique esperto. É o velho PT, agora em nova embalagem', dizia a inserção dos tucanos.

Os advogados da campanha petista argumentaram que o anúncio era 'degradante porque promove uma indevida associação entre Fernando Haddad e pessoas envolvidas em processos criminais e ações de improbidade administrativa'. A ligação seria 'indevida', porque Haddad não é réu no mensalão nem responde a acusações de corrupção.

A frase que virou manchete foi pinçada da medida judicial e editada como se fosse uma declaração do ex-ministro da Educação ('Haddad diz que…'). Um título correto poderia ser 'Haddad tenta barrar comercial que o associa a Dirceu'.

A diferença não é sutil. 'Fui juiz eleitoral e percebi logo que a manchete foi tirada de um processo. Nenhum político diria que a relação com um aliado é degradante. É uma linguagem do direito eleitoral, já que a própria lei usa o termo degradante para caracterizar um tipo de propaganda que é vedada', explica Flávio Luiz Yarshell, 49, professor titular de direito processual da USP.

Ele compara a situação à de Luiza Erundina, que desistiu de ser vice do PT depois que se anunciou a aliança com Maluf. 'Ela afirmou categoricamente que estava desconfortável com a situação. Haddad não disse isso e não cabe ao jornal fazer esse tipo de presunção', diz.

A Secretaria de Redação não concorda que a manchete tenha sido 'turbinada'. 'As argumentações dos advogados de Haddad na Justiça equivalem à manifestação do próprio candidato. Ele é o responsável e o principal interessado em qualquer intervenção de sua campanha. O mesmo raciocínio vale para outras atividades, como a arrecadação de recursos', afirma.

O efeito de um título apimentado pode ser devastador, principalmente na internet, onde se lê muito o que está em letras grandes e pouco o que vem logo abaixo. A reportagem ficou entre as mais lidas na quarta-feira e foi a que recebeu mais comentários no dia (1.042).

A mão pesada da edição ofuscou o mérito da reportagem. A Folha percebeu que a medida judicial contra a propaganda tucana explicita a contradição que existe no esforço do PT de se desligar de parte do próprio PT -e de Paulo Maluf, cujo apoio foi celebrado em encontro no jardim da casa do ex-prefeito.

Sem colocar palavras na boca do candidato, o jornal conseguiria atingir o mesmo objetivo. A duas semanas do primeiro turno, é hora de ajudar o eleitor a decidir, não de apostar na confusão.”