“Entre as competências de um provedor do leitor, pelo menos tal como as entendo, não está a de se pronunciar sobre o conteúdo de artigos de opinião publicados no jornal. Devo essa explicação aos leitores que se me dirigem, protestando contra ideias defendidas em textos de colunistas regulares ou colaboradores ocasionais do PÚBLICO. Se uma parte desses protestos se limita a manifestar uma oposição genérica às teses de um articulista, outras vezes contêm argumentos úteis ao debate público, que deveriam ser canalizados para o jornal sob a forma de comentários, cartas à directora ou propostas de textos de opinião.
Julgo que é justo reconhecer a importância que o PÚBLICO desde sempre deu ao confronto de opiniões e estou certo de que os textos agrupados na secção Espaço Público e em outras áreas de opinião, interna ou externa, são dos mais procurados e apreciados por muitos leitores. É também pela capacidade de estimular o debate público que se avalia a qualidade de um jornal. O escrutínio da área de opinião é por isso legítimo e mesmo indispensável, mas a discussão das ideias defendidas pelos autores dos textos é estranha à vocação deste espaço. Para além da competência formal, faltar-me-ia aliás, para tanto, também a competência substantiva.
Coisa diferente são as dúvidas e queixas dos leitores que, acerca de artigos de opinião, levantam problemas que devem ser considerados à luz das regras éticas, dos valores assumidos pelo jornal ou da veracidade de factos invocados. A algumas dessas questões procurarei hoje começar a responder.
Vem este intróito a propósito de várias cartas que recebi, pedindo-me que me pronuncie sobre posições expressas na polémica historiográfica que desde o início de Agosto se traduziu já em duas dezenas de artigos publicados neste jornal, tendo por ponto de partida um texto crítico de Manuel Loff (historiador e colunista regular do PÚBLICO) sobre a História de Portugal coordenada por Rui Ramos, ou, mais precisamente, sobre a parte dessa obra, redigida por este último historiador, dedicada ao período do Estado Novo.
Sem cuidar aqui da substância da polémica, saúdo porém o facto de essa substância ter vindo a afirmar-se em algumas das últimas peças do debate, em contraste com métodos controversos de argumentação e ataques de natureza pessoal que marcaram a fase inicial da discussão e foram motivo de críticas dirigidas por leitores a alguns dos protagonistas desta querela historiográfica sobre a natureza do regime ditatorial derrubado em 1974. A importância do tema para a representação que fazemos de um passado recente, e ainda vivo na memória de muitos, torna desejável que o PÚBLICO incentive a continuação do debate (que ainda sabe a pouco), trazendo para fora dos muros académicos o confronto de interpretações historiográficas em torno do salazarismo.
Um dos leitores que tem criticado o que considera ser o estilo e conteúdo'agressivos' de certas colunas de opinião pergunta se não existe'um guia de boas práticas' ou'um código de recomendações' para os seus autores. A resposta encontra-se no Livro de Estilo do PÚBLICO, onde se lê que'o desassombro polémico' é'necessário à vitalidade do jornal', mas se especifica que os textos de opinião — que podem naturalmente ser recusados, mas não podem ser alterados sem'prévia autorização do autor' — estão sujeitos'ao respeito pela linguagem não insultuosa e não panfletária' a que o jornal'se obriga', bem como aos'preceitos de isenção ética e rigor de escrita' com que se identifica. E ainda, naturalmente, a'critérios mínimos de qualidade'. São estas as regras, é por elas que devem ser aferidas as decisões editoriais.
A última remodelação do Espaço Público passou a dividir os textos de autores externos ao seu quadro de colunistas em duas categorias, designadas como'Debate' e'Tribuna'. Nuno Pacheco, director adjunto e responsável mais directo pela área de opinião, explica que essas categorias'foram criadas para distinguir (…) artigos mais dados a intervir em polémicas em curso na sociedade portuguesa, seja em que área for (e estes devem assinalados como Debate) de outros em que simplesmente se dá voz a personalidades, cidadãos ou grupos de cidadãos (caso de manifestos) para exporem ideias ou fazerem apelos sob diversos pretextos (e aqui serão assinalados como Tribuna)'. A distinção é útil, mas algum desleixo tem levado ao seu esquecimento (“surge Debate onde devia surgir Tribuna'), erro que o director adjunto anuncia ir ser corrigido.
Qualquer que seja a classificação, o que não pode ser confundido com um artigo de opinião é um texto de natureza publicitária. Para isso alertaram, a meu ver com toda a razão, dois leitores que se insurgiram contra a inclusão no Espaço Público, na edição de 27 de Agosto passado, do artigo intitulado'Construir a universidade do futuro', assinado por Nélson Santos de Brito, na qualidade de'CEO p/Portugal da Laureate International Universities'. O texto é, basicamente, um elogio da organização que dirige. A considerar-se que as informações que contém teriam interesse jornalístico, deveriam ter sido tratadas de acordo com as regras profissionais de elaboração de notícias.
Tal como foi publicado, o texto em questão não é, escreveu o leitor Eduardo Costa Dias,'nem uma peça jornalística nem um artigo de opinião, mas sim um panfleto publicitário metido pela porta do cavalo'. Madalena Oliveira enviou-me por seu lado a nota que publicou no blogue'Jornalismo e Comunicação', em que começa por referir:'O título interessou-me e li o texto com expectativa sobre o anunciado debate sobre o ensino superior (é isto que se lê na linha que sucede o título — Debate / Ensino Superior). Acontece que, depois de meia dúzia de linhas com ideias genéricas sobre o que deve ser a chamada universidade do futuro, o autor mais não faz do que a promoção de um investimento', em Lisboa, da entidade de que é'o director-geral (…) para Portugal'.
“É a este tipo de textos'— questiona a leitora —,'que deve corresponder o género jornalístico opinião? A acções de marketing? Onde fica o genuíno e descomprometido debate de ideias?' E ainda:'Que critérios tem, afinal, esta editoria do PÚBLICO para selecionar os chamados opinion makers a quem dá espaço?'. Nuno Pacheco reconhece o erro:'O início do texto (…) enuncia, na verdade, alguns pressupostos para justificar o título, mas o resto é a afirmação e elogio de um projecto (aquele em que está pessoalmente envolvido) e tem, na verdade, um tom propagandístico que não se coaduna nem com o título do artigo nem com a secção onde se insere'.
Outra chamada de atenção que me chegou referente a matérias da secção Espaço Público criticava no plano ético um artigo sobre a crise do euro assinado em 15 de Junho passado pelo colunista Domingos Ferreira, sugerindo que uma parte desse texto estaria'no limite do plágio', ao utilizar, sem citação, excertos de um outro artigo, da autoria de um académico alemão, publicado três dias antes no New York Times. Consultei essa edição do diário nova-iorquino e não me restaram dúvidas: os parágrafos finais do texto em causa limitavam-se a transcrever, com muito ligeiras adaptações, e sem nunca referir a origem, o que fora escrito no jornal norte-americano. Confrontado com o facto, o colunista do PÚBLICO apresentou desculpas à direcção do jornal, explicando que se tratara de'um engano no envio do ficheiro', tendo sido remetida para publicação uma versão anterior à revisão do artigo.
Para outra oportunidade ficará a discussão de uma questão importante sobre os artigos de opinião: até que ponto a identificação de um articulista deve, em nome da transparência, incluir dados que o relacionem com possíveis interesses na matéria sobre a qual se pronuncia? Deixo aqui a descrição em linhas muito gerais de um caso recente.
No dia 14 de Agosto foi publicado, sob o rótulo'Debate/Floresta e recursos naturais' um texto intitulado'Os prejuízos do eucalipto', cujo autor, identificado como engenheiro agrónomo, contrariava críticas conhecidas à expansão daquela espécie. Um leitor reagiu, afirmando que o articulista em questão'não é um agente independente', por ser assessor da administração de uma grande empresa com interesses na fileira do eucalipto, e defendeu que esse facto deveria ter sido referido na identificação do autor. Essa sugestão foi divulgada nas Cartas à Directora e expressamente acolhida numa Nota da Direcção.
Seguiu-se uma interessante troca de mensagens entre o articulista e o leitor, de que me foi dado conhecimento e que podem ser consultadas no meu blogue. O autor do artigo argumenta, nomeadamente, que as suas'opiniões pessoais' não têm de ser confundidas com as da empresa e diz recear os efeitos perversos de uma transparência'excessiva', que poderia por exemplo, no caso de um artigo de tema político, levar a querer saber'de que partido é ou em qual vota' quem o escreveu. Que pensam desta troca de razões os leitores que seguem com interesse as páginas de opinião?”