Na internet, cada pessoa se torna um crítico em potencial. Todos os 2 bilhões de usuários no mundo, apenas com um computador e uma conexão, podem opinar sobre produtos e serviços e, no fim, influenciar a decisão de consumo de outros. De acordo com estudo da Nielsen realizado em 56 países, inclusive o Brasil, 70% dos 28 mil entrevistados confiam em reviews disponíveis na rede. Esse tipo de informação fica atrás apenas da recomendação de conhecidos e à frente de conteúdos editoriais publicados pela mídia tradicional. Entretanto, o número de opiniões falsas, ou fake reviews, vem aumentando consideravelmente e, segundo a Gartner, serão entre 10% e 15% do total em 2014. “O consumidor confia porque acha que a análise é de uma pessoa como ele, que realmente comprou e experimentou o produto. Funciona como um ‘boca a boca’ virtual”, explica Karla Ehrenberg, professora do Centro Universitário Adventista de São Paulo e especialista em mobile marketing. “Não adianta a empresa montar um anúncio dizendo que o produto dela é o melhor. A sociedade está cansada desse discurso, não acredita mais nisso.”
Recentemente, alguns casos ganharam as manchetes de grandes jornais no mundo. O americano New York Times publicou reportagem sobre Todd Rutherford, que chegou a ganhar US$ 28 mil por mês escrevendo fake reviews de livros em sites de comércio eletrônico, como a Amazon. No Reino Unido, dois escritores reconhecidos, Stephen Leather e RJ Ellory, estamparam matérias no Telegraph por admitirem que usavam pseudônimos para elogiar suas obras em lojas online e fóruns de discussão na internet.
“O ‘jabá’ no ciberespaço”
No Brasil, três blogueiras e a marca de cosméticos Sephora foram alvo de representações no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) por supostamente terem publicado posts pagos. Após ouvir a defesa das partes, o conselho não encontrou evidências sobre a natureza comercial dos textos, mas advertiu os envolvidos, recomendando que se deixe claro quando um artigo for patrocinado para não suscitar dúvidas no consumidor. “De um tempo para cá, as empresas passaram a buscar formadores de opinião na rede. São os blogueiros, pessoas com muito seguidores que falam diretamente para um nicho de mercado. Esse tipo de publicidade é eficaz e muito mais barato que o modelo tradicional”, afirma Karla.
O uso de fóruns online para a promoção de marcas chega até à Wikipédia. Oona Castro, consultora da Wikimedia Foundation no Brasil, diz que é comum encontrar verbetes escritos com o intuito de favorecer determinada empresa ou produto. Dependendo do assunto ou da forma do texto, a própria comunidade alerta e os artigos podem ser apagados. “Muitas vezes o conteúdo não tem o menor interesse enciclopédico”, afirma. “Uma coisa é escrever um verbete sobre a Nike, a Petrobras. Outra é falar sobre a padaria da esquina”, pondera.
Para Daniel Galindo, professor da Universidade Metodista de São Paulo e da Escola Superior de Propaganda e Marketing, os reviews falsos apenas encontraram um novo meio de atuação. Ele lembra que já existiram casos de matérias pagas em veículos de comunicação tradicionais e que o tema é alvo de intenso debate até hoje. “É como o ‘jabá’ no ciberespaço”, diz, lembrando que não existe legislação ou punição para desestimular essa prática. “As empresas e pessoas são punidas pela perda de reputação.”
“É difícil separar o joio do trigo”
Para minimizar as ocorrências de fake reviews, o portal colaborativo de opiniões Kekanto possui um algoritmo que atribui diferentes notas de acordo com o nível de participação de cada usuário. Assim, um post escrito por um perfil que acabou de ingressar na comunidade ganha pouco destaque. Além disso, os próprios internautas podem denunciar resenhas que não pareçam reais para que elas sejam analisadas. “Para fazer uma resenha com destaque, a pessoa que quer publicar um post falso terá que criar um usuário, montar um perfil, adicionar colegas. Acredito que elas sejam desencorajadas pelos filtros e pelo trabalho necessário”, afirma Fernando Okumura, presidente-executivo do Kekanto.
Para evitar ser influenciado pelo review falso de um produto ou serviço, o diretor da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (Câmara e-Net), Gerson Rolim, dá a dica. “A melhor forma de conseguir opinião isenta é ler mais de um blog, procurar várias fontes. O ‘boca a boca’ virtual é bom para o consumidor e para as empresas, mas é difícil separar o joio do trigo”, diz.
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[Sérgio Matsuura, de O Globo]