Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

20 anos do impeachment de Collor

Nosso Dom Quixote roto elegeu-se em uma algazarra publicitária pela primeira vez utilizada em campanhas presidenciais. Dizia-se caçador de moinhos de vento – os grandes nababos da corrupção, os marajás – e em nome da Dulcinéia descalça e descamisada, representada pelo povo.

Quem não se emocionava com a retórica violenta de Fernando Collor de Melo em seu embate no segundo turno contra Lula – ou “sapo barbudo”, como o chamava Brizola, o mesmo que, em não conseguindo passar do primeiro turno, abraçou-se ao sapo, digo Lula, apoiando-o no segundo pleito. Mas não foi suficiente, a retórica da renovação e combate a corrupção convenceram 35 milhões de eleitores que deram a vitória ao alagoano.

Veio o primeiro susto: o confisco das contas bancárias superiores a 50 mil cruzeiros, feitas pelo Plano Brasil Novo, ou simplesmente Plano Collor. Foi anunciado na TV pela ministra Zélia Cardoso de Melo – que mais tarde, para completar a piada, casou-se com o humorista Chico Anysio. Mas o Brasil também conheceu o PND, plano nacional de desestatização, que abriu as portas à privatização e, somado ao fim da reserva de mercado, permitiu a entrada de tecnologia no país, como internet e telefonia móvel.

Os jovens não decepcionaram

Contudo, os ventos da imprensa livre sopraram nuvens negras sobre o paraíso collorido. A revista Veja, em sua edição de 27 de maio de 1992, publicou uma entrevista bombástica em que Pedro Collor, irmão do presidente, revelava um esquema gigantesco de corrupção chefiado pelo tesoureiro da campanha de Collor, Paulo Cezar Farias, o PC. Segundo o maninho, o presidente sabia de tudo. Em função das denúncias de Pedro Collor, o Congresso criou uma comissão parlamentar de inquérito, a CPI do PC, que começou tímida e parecia caminhar para ser mais um produto da cantina do Congresso, una pizza bella. Mas eis que um herói anônimo, o motorista Eriberto França, expôs o esquema de transporte do dinheiro ilegal envolvendo as secretárias de Collor, da primeira-dama Roseane e do próprio PC. A CPI não podia mais cozinhar o caso em banho-maria. A imprensa investigava e o povo exigia lisura no processo.

Collor negava e esperneava histrionicamente. Mas o D. Quixote alagoano se revelou, ele próprio, um grande moinho de vento quando surgiu, vejam só, um Fiat Elba comprado pelo presidente com dinheiro do esquema PC – e olhem a irônica coincidência, com um cheque do Banco Rural, o mesmo do atual julgamento do mensalão.

Lá foi o moinho de vento para televisão soprar suas frases melodramáticas e convocar o povo a sair de casa vestindo uma peça de roupa com as cores do Brasil como forma de manifestar seu apoio ao jovem presidente. “Não me deixem só!”, desesperava-se o combalido presidente, já sentindo a guilhotina sob seu pescoço. Os jovens não decepcionaram. Saíram aos milhares pelas ruas de todo o país, só que vestidos de luto e com as caras pintadas, exigindo o impeachment do marajá de Alagoas.

Manutenção da democracia

A Câmara respondeu às denúncias da imprensa, da OAB, da CNBB, dos caras-pintadas e de todo o país, aprovando, no dia 29 de setembro de 1992, por 441 votos a favor e 38 contra, o impeachment presidencial. A presidência é, então, assumida pelo vice, Itamar Franco, que, pouco tempo depois, lançaria o Plano Real. No dia 29 de dezembro do mesmo ano, poucas horas antes do Senado confirmar sua inelegibilidade por oito anos, Collor renunciaria.

Quanto tempo esse criminoso político passou na prisão? Nem um segundo sequer. O crime cometido por ele foi de responsabilidade política e não penal. Além disso, convenientemente, PC Farias foi assassinado pela amásia em um caso suspeitíssimo. Já o irmão denunciante faleceu em 1994 vitimado por câncer no cérebro.

Resta-nos desta história a lembrança da força popular e do papel da imprensa no exercício e manutenção da democracia. Forças que parecem entorpecidas em nossos dias. O povo como um todo e, em particular, os jovens, mostra-se, de forma geral, politicamente apático. A imprensa, por sua vez, vem sendo ameaçada constantemente pelo retorno da censura travestida da plangente farda de Estado protetor.

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[Marcos Pizzolatto é historiador]