Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Criador do império do NYT

Corria o ano de 1963, quando Arthur Ochs Sulzberger assumiu o comando do New York Times, jornal comprado em 1896 por seu avô, Adolph S. Ochs. Seu cunhado, Orvil E. Dryfoos, publisher do jornal desde 1961, morrera um pouco antes de ataque cardíaco após uma greve de 114 dias na empresa, e a escolha de seu nome enfrentou resistência na família. Nas discussões, havia ressalvas não apenas por sua falta de experiência num cargo executivo como também por sua dislexia. Em seu primeiro dia de trabalho, Sulzberger ficou em “estado de choque”, como ele mesmo revelou anos mais tarde, já depois de ter transformado o jornal num império de mídia bilionário:

– Minha irmã Ruth me ligou depois do meu primeiro dia como publisher e me perguntou como foi. E eu disse, “Tomei minha primeira decisão como executivo. Decidi não renunciar”.

Na época, seu principal diário já tinha o status que exibe hoje: respeitado e influente, capaz de definir a agenda nacional. No entanto, estava em uma situação financeira periclitante. Desde que havia sido comprado por seu avô, o jornal fundado em 1851 tinha administração com características de um negócio familiar. Apontado por muitos como um visionário, Sulzberger imprimiu mais profissionalismo na gestão da empresa, criou novos produtos, diversificou o público leitor e liderou a transição da era do linotipo para a mídia digital.

Hoje, o NYT é distribuído de costa a costa nos EUA e integra um conglomerado que reúne jornais, revistas, televisão, emissora de rádio e sites. A expansão refletiu a crença do executivo de que uma organização de mídia, acima de tudo, tem de ser lucrativa se quiser manter sua voz vibrante e independente. Como John Akers, ex-presidente da IBM e que por anos ocupou uma cadeira no Conselho de Administração da New York Times Company diz: “Fazer dinheiro, de modo que você possa continuar a fazer bom jornalismo, sempre foi uma parte fundamental do pensamento dele”.

Bom jornalismo é algo que a equipe de Sulzberger sabia fazer. Ao longo de sua gestão no NYT, o jornal ganhou 31 prêmios Pulitzer, quase um por ano. O Pulitzer é o mais famoso prêmio do setor nos EUA. Durante esse período, o jornal também ganhou importantes brigas em prol da liberdade de imprensa.

Executivo fazia questão de seu crachá

Uma delas foi em 1971, quando o NYT publicou os “Papéis do Pentágono”, uma série de reportagens sobre a polêmica atuação do governo americano na guerra do Vietnã. O então presidente Richard Nixon exigiu que o jornal suspendesse a publicação em nome da segurança nacional. Citando a Primeira Emenda (trecho da Constituição americana que trata da liberdade de expressão), ele se negou a seguir as ordens e conseguiu que a Corte Suprema se pronunciasse a seu favor.

“O antigo capitão nunca desistiu de uma briga e era uma absoluto e feroz defensor da imprensa”, disse Arthur Ochs Sulzberger Jr, sobre seu pai. O presidente Barack Obama também exortou a importância do executivo para a mídia. “Ele acreditava firmemente na importância da imprensa livre e independente. Não tinha medo de perseguir a verdade e contar as histórias que precisavam ser contadas”, disse Obama, em nota.

Sulzberger nasceu em 1926. Mais novo de quatro irmãos, formou-se em Inglês na Universidade de Columbia, mas foi no jornalismo que fez carreira. Passou a maior parte de sua vida profissional no Times, onde começou como repórter de notícias cotidianas e alcançou o posto de correspondente em Paris, Roma e Londres. Antes, passou pelo Milwaukee Journal e serviu na Marinha.

Apesar de ter sido o mais novo publisher a assumir o jornal, aos 37 anos, foi classificado pelo jornal concorrente The Wall Street Journal”, como “o mais preeminente publisher de sua era”.

Sua vida pessoal também se confundia com o dia a dia na redação. Sulzberger teve um caso com uma repórter do NYT, Lilian Alexanderson, com quem teve um filho. Inicialmente, negou a paternidade, mas após um exame de DNA, Sulzberger assumiu o filho. O executivo teve mais quatro filhos de três casamentos.

Amável e extremamente reservado, Sulzberger não abusava de seu poder, afirmam seus funcionários. Um exemplo disso é que, toda manhã, quando chegava ao prédio do NYT, fazia questão de apresentar na portaria seu crachá, como qualquer outro funcionário.

Com uma relação quase umbilical com o New York Times, Sulzberger foi se afastando dos negócios aos poucos. Em 1992, foi substituído por seu filho Arthur Ochs Sulzberger Jr. como publisher do NYT. Em 1997, também deixou a presidência da New York Company, mas manteve voz ativa na administração até 2002, quando se despediu do Conselho da empresa.

Sulzberger morreu ontem, aos 86 anos, em casa, em Southampton, nos Estados Unidos. A causa não foi revelada.

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Das reportagens impressas em preto e branco à mídia digital

Arthur Ochs Sulzberger fez uma série de inovações no New York Times. Nos anos 70, 13 anos após ter assumido o dia a dia do jornal, ele adotou o modelo de seis colunas na diagramação do periódico, dando mais leveza às reportagens. Antes, as páginas tinham oito colunas de texto. Além de oxigenar a leitura, Sulzberger conseguiu agradar aos anunciantes, um trunfo para atrair receita para a empresa.

Também introduziu uma série de novas seções, como esportes e qualidade de vida. Alguns críticos diziam que isso poderia comprometer a credibilidade de um jornal sério. Sulzberger ignorou os comentários e foi logo copiado pelos concorrentes, que despertaram para um novo público atraído por essas novidades. Suplementos regionais e revistas de fim de semana também estão entre os produtos criados na gestão do executivo. E a cor chegou às páginas do NYT nas edições dominicais nos anos 90.

Jornal: futuro promissor

Na mesma década, foi a vez da internet, um dos grandes e últimos desafios de Sulzberger. O conteúdo on-line do NYT foi ao ar em 1996, um ano antes de ele deixar a presidência da New York Company. A princípio, o serviço era gratuito. Em 2011, o jornal passou a cobrar por parte das notícias oferecidas em todas as suas plataformas digitais, depois que pesquisa feita pelo veículo mostrou que 40% dos leitores estariam dispostos a pagar algo pelo conteúdo on-line.

Atualmente, o NYT tem 509 mil assinantes em algum dos três tipos de pacote digitais oferecidos, que gastam, em média, cerca de US$ 20 por mês com esse serviço. As receitas com o modelo somam cerca de US$ 120 milhões anuais. A cobrança média de conteúdo no “NYT” tem três faixas: US$ 15, US$ 25 e US$ 35.

Apesar de suas investidas no mundo cibernético, Sulzberger via um futuro ainda brilhante para os jornais impressos. “Acredito que o papel e a caneta estão aqui para ficar. Não há escassez de notícias neste mundo. Se você quer notícias, você pode ir ao ciberespaço e juntar todo este lixo. Mas não acredito que a maioria das pessoas seja competente para se tornar editor. Ou que tenham tempo e interesse nisso. Você não está comprando notícias quando você compra o New York Times. Você está comprando julgamentos”, disse em uma entrevista após ter se aposentado.

A aposta nas mídias digitais e a crença no futuro promissor dos jornais, no entanto, não evitaram que o grupo tivesse prejuízo. No último trimestre, a New York Times Company teve perda de US$ 88,15 milhões. O valor é menor que o registrado em igual período do ano anterior (US$ 119 milhões), mas voltar ao azul ainda é um desafio para a nova gestão. Uma situação bem diferente da herança financeira deixada por Sulzberger.

Em outubro de 1997, quando ele deixou a presidência da companhia, esta tinha 21 jornais regionais, nove revistas, oito emissoras de TV, duas estações de rádio, além do título The Boston Globe, comprado em 1993. A receita somava US$ 2,6 bilhões, e o “NYT” respondia por 50% do total. Em 2011, a receita foi menor, de US$ 2,4 bilhões, com Times, sites e a versão do jornal internacional International Herald Tribune respondendo por 66%.