Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornalismo e o valor da notícia

O artigo de Luiz Antonio Magalhães sobre a reportagem da revista Placar que abordou o caso Casagrande fez-me refletir sobre o quanto sofre o leitor, passivo diante da reportagem cruel mesmo que com ela, aparentemente, nada tenha a ver. [Ver ‘O drama de Casagrande e a imprensa marrom‘ e ‘Resposta da revista Placar‘]

Gostaria de lembrar – nem sei se isso é ensinado nos cursos de comunicação – que todo leitor tem a ver com tudo que é publicado. É a emoção, positiva ou não, que o faz gerar audiência ou comprar a mídia escrita. Quero crer, não sou do ramo, que quando o chefe de redação escolhe as palavras para as manchetes e chamadas, o faz pensando sempre no sucesso do seu veículo. Não vou entrar no mérito do tipo de sucesso no que se refere ao aspecto conceitual porque isso dá uma monografia. Mas posso, porque vejo, dizer que uns escrevem para marcar uma referência no tempo e outros para simplesmente vender. Estes últimos é que são os perigosos.

O fato socialmente aceitável

Devo confessar que esbravejei aqui na minha casa quando li sobre o problema do ex-jogador Casagrande. Devo admitir que xinguei e pulei nas tamancas e faço essa confissão para que saibam que coisas assim não agradam ao leitor. Não é absolutamente do meu interesse tomar conhecimento de uma coisa assim. Esse moço nunca jogou no time para o qual torço e nem acompanhei sua carreira no futebol. O tenho como alguém que se esforça para viver como qualquer um. É um bom comentarista, pelo que já vi. O seu drama e sofrimento pessoal são coisas particulares. Devem ser respeitadas.

Naturalmente que quando digo que ‘tais coisas não agradam ao leitor’ refiro-me aos leitores cujos interesses são semelhantes aos meus. Aos chefes de redação cabe a sabedoria e prudência de só autorizar publicação daquilo que seja socialmente aceitável, ou seja, o que vai de algum modo contribuir para o aperfeiçoamento profissional e moral das pessoas.

O fato de existirem faixas de leitores que consomem esse tipo de informação é mais uma razão para que se não publiquem. E assim se contribua para que os integrantes dessas faixas sejam, digamos, promovidos às faixas que consomem informações realmente importantes.

Comportamento comedido

Mesmo já passados vários anos, vou recordar uma situação realmente escabrosa, onde a atuação da imprensa foi determinante.

Na noite de 23 de setembro de 1996, o tenente-coronel Sergio Carlos Zani Maia, do Exército brasileiro, foi flagrado por um policial militar. Segundo dados da época, ele estaria em atitude inconveniente dentro de seu carro, acompanhado de um cidadão.

Zani Maia era um oficial brilhante, instrutor da Escola de Comando e Estado Maior, ex-comandante do Regimento Sampaio e pai de três filhos. Além de tudo – e isso é que tinha que ser considerado com todo cuidado –, tratava-se de um oficial de nossas forças armadas, representante de uma instituição importante.

Toda a imprudência do oficial, que seria homossexual e não adotou medidas de cautela de início, deveria ter sido compensada por comportamento comedido da equipe policial autora do flagrante, a qual deveria ter tratado o caso com o necessário sigilo, sem prejuízo do rigor da atitude.

E o chefe de redação?

Constatado o fato, o oficial seria conduzido a um quartel da instituição militar a que pertencia e pronto. Boletim de Ocorrência é assunto interno da corporação. O que aconteceu foi que o oficial foi conduzido a uma delegacia qualquer, visto que o policial, possivelmente despreparado, não teria tido sensibilidade suficiente para avaliar o caso do ponto de vista social e humano, no que foi acompanhado pela autoridade policial, um delegado, que veio a lavrar o flagrante e permitir, arbitrariamente, que o caso chegasse ao conhecimento da imprensa.

Com a exposição, a pessoa e seu drama pessoal foram mostrados na imprensa com todos os detalhes cujo interesse em saber seria apenas daquela faixa de leitores a que já me referi acima. Uma carreira, uma família e uma vida se acabaram, visto que consta que o oficial, traumatizado, passou a ter problemas psiquiátricos, vindo a falecer em circunstâncias misteriosas num subúrbio deste Rio de Janeiro.

Em última análise, um chefe de redação poderia tê-lo salvo.

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Estudante, Nova Iguaçu, RJ