“O dia mais humilhante de minha vida.” Foi assim que Rupert Murdoch, dono da News Corporation, descreveu sua experiência ao ser condenado por parlamentares britânicos em julho de 2011. Acusações de grampos telefônicos, suborno de policiais e negligência envolvendo o jornal News of the World (que Murdoch acabara de fechar) eram tão graves que parecia que o preço das ações da News Corp. também seria rebaixado. Havia, inclusive, quem especulava a implosão do grupo.
No entanto, tanto para surpresa dos céticos quanto dos simpatizantes, a News Corp. tornou a voar alto. O preço de suas ações subiu 53% no ano passado, para US$ 25 (cerca de R$ 50), o que não conseguia desde 2007, antes da crise financeira. A empresa continua enfrentando investigações policiais e ações judiciais. Mais de 80 pessoas foram detidas no caso dos grampos telefônicos, inclusive Rebekah Brooks, ex-diretora da News International, a divisão britânica do grupo, que compareceu perante um tribunal de Londres no dia 26 de setembro sob a acusação de conspiração. Apesar disso, os investidores estão mais animados do que ansiosos.
Ironicamente, foi o escândalo dos grampos telefônicos que catalisou o renascimento da News Corp. Durante anos, um “desconto Murdoch” perseguiu o preço das ações da empresa. Os investidores desconfiavam de tal maneira da devoção do magnata a jornais não lucrativos e de sua tendência a pagar mais do que o razoável por aquisições como o MySpace – um site de uma rede social com um diminuto número de amigos – que as ações da empresa eram cotadas abaixo das de outros conglomerados de mídia. Porém, recentemente esse “desconto” diminuiu. Desde 2008, a proporção de valores e lucros da empresa, uma medida usada para avaliar grupos de mídia, subiu acima da de seus principais concorrentes.
Menos como uma dinastia
Há anos que os investidores querem que a News Corp. mantenha seus ativos de jornais em separado. A maioria deles, entretanto, “nunca pensou que isso poderia acontecer enquanto Rupert Murdoch estivesse vivo”, diz Richard Greenfield, analista da BTIG Research. Foi o escândalo que o proporcionou. Em junho, a News Corp. anunciou que dividiria a empresa em duas. Quando completar essa separação, no ano que vem, seus negócios editoriais menos lucrativos – o que inclui os jornais – serão separados, isolando os negócios de entretenimento, altamente lucrativos, das crescentes despesas legais do escândalo de grampeamento.
O setor de entretenimento, que inclui os ativos de televisão e filmes da News Corp., poderá prosperar como uma empresa independente. As expectativas são de que a TV a cabo contribua, no ano que vem, com 62% dos lucros da News Corp. (proporção bem superior à da emissora por satélite pela qual a empresa é mais conhecida na Europa); será o principal fator de crescimento durante os próximos anos e a menina dos olhos dos investidores. A empresa pretende beneficiar-se da TV paga na Ásia e na América Latina. Cerca da metade da receita total da News Corp. vem de fora dos Estados Unidos e Canadá, o dobro da proporção de suas principais concorrentes.
O escândalo dos grampos trouxe outros benefícios inesperados, além da separação. Embora Murdoch, de 81 anos, não tenha deixado de ser o patrão da News Corp. – o que muita gente gostaria que acontecesse –, ele deu maiores poderes a Chase Carey, um executivo bem visto que é presidente e principal autoridade de operações. O escândalo motivou a imediata saída de James Murdoch do comando da News International (embora conste que ele possa vir a assumir uma posição de comando na Fox). Apesar de a maioria dos acionistas querer ver a coisa ir mais longe, a News Corp. foi criada para funcionar menos como um regime de dinastia e mais como uma empresa normal.
Transtornos não mataram a TV tradicional
A indignação pública também fez a News Corp. recuar em sua pretensão de adquirir a totalidade da BSkyB, emissora por satélite da qual já detém 39%. Houve quem o considerasse uma notícia ruim, mas foi uma bênção, avalia Larry Haverty, da Gamco, uma consultora de investimentos, pois a News Corp. iria pagar mais do que o devido. Considerando que a News Corp. está no centro dos holofotes, agora os investidores esperam que não venham a acontecer investimentos como a aquisição de uma empresa de TV de propriedade da filha de Murdoch, em 2011, o que acarretou ações judiciais.
Em alguns outros gigantes da mídia americana – principalmente a Disney – as ações subiram no ano passado. Um dos motivos está nas quantias recordes gastas pelos candidatos às eleições e seus simpatizantes em anúncios de campanha. Um fator mais importante é o de que agora “as pessoas se sentem completamente tranquilizadas pelo fato de que o modelo de televisão tradicional irá continuar”, diz Claire Enders, da Enders Analysis, empresa de pesquisas. Transtornos como a Apple e a Netflix, um serviço de vídeos por streaming, não mataram a televisão tradicional, como se temia. Os consumidores estão cada vez mais grudados no Google e o valor dos programas populares continuou crescendo.
As más notícias continuam boas
Isso não significa que esteja tudo uma maravilha para a News Corp. Até o mês de junho, a empresa teve que pagar US$ 224 milhões (cerca de R$ 450 milhões) de custos judiciais e remunerações profissionais relacionados aos processos e investigações. No entanto, o custo total do escândalo dos grampos provavelmente não será superior a US$ 1 bilhão (cerca de R$ 2 bilhões), bem menos do que inicialmente se esperava e uma quantia administrável, se comparada aos US$ 33,7 bilhões (cerca de R$ 67 bilhões) em faturamento pela News Corp. no último ano financeiro.
É possível que o escândalo ainda se intensifique. Acredita-se que o governo americano ainda esteja analisando o caso e poderia entrar com acusações, com base na Lei de Práticas de Corrupção do Exterior, o que significaria o risco de Rupert ou James Murdoch serem implicados posteriormente. Talvez nem isso fosse ruim para as ações da News Corp., diz um grande acionista. O preço das ações da empresa provavelmente subiria ainda mais se James fosse afastado. Na News Corp, as más notícias continuam boas. Informações da Economist [29/9/12].