No programa Roda Viva de 24 de setembro de 2012, o historiador Roberto Darnton discorreu sobre seus estudos do século 18 e sobre o ambicioso projeto da criação de uma Biblioteca Pública Mundial Digital, aberta para o mundo, em que está envolvido. Grande estudioso do iluminismo, Darnton escreveu, entre outros, o livro A Questão do Livro, onde sai em defesa do livro impresso e, ao mesmo tempo, dá boas-vindas ao livro digital. Por causa disso, segundo o seu próprio depoimento no programa, foi tachado, por muitos, de um otimista incorrigível que não percebeu os perigos que rondam a cultura diante da hegemonia da cultura visual instalada desde o advento da internet. Pelo jeito, não se satisfazendo em ser apenas um otimista, ele se engajou e virou um protagonista de um projeto digital fantástico que objetiva construir uma alternativa ao monopólio do Google e todos os riscos inerentes ao que isso implica. O historiador e bibliotecário, que dirige a maior biblioteca do mundo, não recusa o fato de que a tecnologia facilita a vida das pessoas, democratizando também a informação. Mas alerta que tudo o que envolve tecnologia conta com empresas que visam a lucros: “As grandes empresas poderiam monopolizar por quererem ganhar mais dinheiro.”
Quem está falando é alguém que negociou com o Google diretamente e percebeu como eles encaminharam a questão da comercialização dos livros digitalizados. Depois de criado um gigantesco banco de dados de livros digitalizados gratuitamente, o Google resolveu cobrar o acesso a este mesmo banco de dados que a academia ajudou a criar. Ele chama, elegantemente, de paradoxo ser o criador e o dono dos direitos autorais de obras cientificas publicada e ao mesmo tempo ter que pagar taxas para acessá-las. Embora reconheça o valor e a importância do Google, Robert Darnton aponta os perigos para a democratização do acesso que este representa como empresa privada que não tem como interesse principal a defesa do bem público.
A “emoção da pesquisa”
Alguns tucanos emplumados, presentes naquela mesa, devem ter sentido um calafrio diante da pronúncia, por um intelectual americano de renome, da existência deste ente chamado bem público. Para a elite tucana, começando pelo tucano-mor FHC, e para muitos petistas, como Palocci, tudo começa e termina pelo mercado. O bem público advém como efeito colateral da ação da “mão invisível” deste. Para estes defensores do pensamento único, é indispensável, primeiro, acabar com a era Vargas, instaurando um regime de livre-mercado, para depois, como consequência natural, se criarem instâncias voltadas para o bem público. A premissa destes é que assim se cria um arranjo que leva ao bem público graças ao ciclo virtuoso instaurado por este regime econômico, político e social. Robert Darnton diz o contrário. Isto é, se deixarmos as coisas se arranjarem pela lógica do mercado, estaremos decretando a submissão da cultura e do conhecimento a um interesse que contraria o bem público, posto que voltado para o lucro. A bem da verdade, ele não demoniza a lógica do mercado, até entende suas premissas. Apenas entende que devem existir contrapesos que garantam a defesa do bem público.
No geral, ele foi mais inquirido sobre seu papel como defensor de uma tese sobre os rumos do livro impresso com o advento do livro digital. As poucas vezes em que foram abordadas questões relativas ao historiador, ele não se furtou em falar sobre o rigor com que encara o ato de escrever, ao ser elogiado pela clareza e elegância de seu estilo, e até a detalhar seu método de pesquisa, conclamando a que os jovens historiadores não se restrinjam a pesquisas na internet e saiam em busca de publicações originais nos arquivos de bibliotecas para adquirir o que chama de “a emoção da pesquisa de documentos” como ele próprio fez e continua fazendo.
Resultado gratificante
Ao responder sobre as possibilidades que se abrem no mundo digital, como, por exemplo, a escrita colaborativa, Robert Darnton, não só manifestou seu entusiasmo com obras colaborativas como a Wikipédia como acredita ser este um novo caminho, tanto na área cientifica como mesmo na do romance, citando, inclusive, que estamos vivendo o fim do herói literário nos moldes dos escritores do século 19.
Embora acredite na continuidade do romancista individual, recebi com satisfação esta manifestação favorável à escrita colaborativa porque, junto com mais treze autores, produzimos um romance chamado Apolinário e Esmê, Luz e sombra no paralelo 30, Editora Nova Prova, onde o personagem principal, ao meu juízo, é a cidade de Porto Alegre. Postamos na contracapa do livro um mapa com sinalização dos lugares percorridos pelos personagens. Para mim e, acredito, para os demais, foi uma experiência marcante, com toda a gama de choque de vaidades feridas que implica uma obra coletiva, mas ao fim e ao cabo chegou a um resultado que a todos gratificou.
Creio que melhor do que continuar a discorrer sobre o programa sugiro a todos os interessados por este tema, atualíssimo, que o vejam na íntegra.
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[Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor, Porto Alegre, RS]