Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quem controla a matéria?

Jeremy Peters estava fazendo um trabalho de reportagem de rotina, este ano, quando deparou com algo que, como ele disse, “cheirava estranho”. Repórter político do New York Times, Peters solicitara a uma pessoa que trabalha na sede da campanha do presidente Barack Obama que preparasse uma entrevista para um artigo sobre o alcance da mídia digital aos eleitores. Segundo ele, o assessor respondeu com algumas regras: as entrevistas eram somente de bastidores, e não ao vivo; para usar citações diretas em seu artigo, Peters deveria enviá-las por e-mail aos assessores de imprensa da campanha para que fossem aprovadas, recusadas ou modificadas. O controle estava nas mãos das fontes da notícia, comenta, em sua coluna [30/9/12], a ombudsman do New York Times, Margaret Sullivan.

Peters desistiu da ideia e escreveu um artigo sobre essa prática cada vez mais comum que o NYTimes publicou na primeira página, no mês de julho. Provocou muitos comentários nos círculos jornalísticos e políticos. Não era somente o NYTimes que era sujeito àquela prática, assim como não era apenas a campanha de Obama que fazia essas regras; o mesmo acontecia com outros repórteres de Washington e Nova York.

Agora, meses depois, a frase “aprovação de citação” soa infame e a prática, em sua forma mais extrema, foi banida do NYTimes. Este mês, os editores do jornal fizeram circular um comunicado aos repórteres que, no seguinte trecho, dizia: “Essa prática corre o risco de dar aos leitores a impressão equivocada de que estamos cedendo demasiado controle às fontes em nossas matérias. Em termos extremos, convida a uma intromissão por parte de assessores de imprensa e outras pessoas que vai muito além da tradicional negociação entre o repórter e a fonte sobre os termos de uma entrevista.” E terminava com uma “linha” para os repórteres: “Citando a política do NYTimes, os repórteres deveriam dizer ‘não’ caso a fonte peça, como condição para uma entrevista, que as citações sejam submetidas posteriormente à fonte ou a um assessor de imprensa para revisão, aprovação ou edição.”

É inaceitável que declarações públicas sejam editadas

A editora-executiva Jill Abramson, veterana jornalista de Washington, falou sobre a prática, que cresceu, em parte, como consequência do esforço louvável de limitar citações anônimas – dando às autoridades a possibilidade de aprovar as citações caso mencionassem seus nomes. A aprovação de citações “põe demasiado controle no lugar errado”, disse ela. “O pedido do jornalista não é uma súplica.”

Desde que a nova política foi disseminada, alguns críticos de mídia e relações públicas manifestaram seu ceticismo. “Acho que essa nova política é cômica”, disseram Christopher Ullman, responsável por comunicações globais para o Carlyle Group, em Washington, e que foi porta-voz do Departamento de Administração e Orçamento, e Arthur Levitt Jr., ex-presidente da Comissão de Seguros e Câmbio. Na prática, disse Ullman, as fontes continuarão dizendo o que foi dito ao vivo. “É a mesma coisa, só que você tem que entrar num acordo antes de desligar o telefone.”

David Leonhardt, o chefe da sucursal de Washington, tem outra opinião: “É inaceitável ter autoridades do primeiro escalão do governo ou representantes de corporações exigindo a capacidade de editar suas declarações públicas e ainda, muitas vezes, passar para suas equipes, que transformam as palavras num comunicado anódino”, disse. O NYTimes “poderia entender que algumas autoridades talvez não queiram ter suas vozes numa matéria, como consequência”.

A questão não era segredo

A reportagem de bastidores – na qual as fontes dão aos jornalistas informações desde que não sejam identificadas – continua sendo uma parte necessária e valiosa do jornalismo e ainda é permitida, destaca Leonhardt. A nova política fornece uma área cinzenta, permitindo aos repórteres conduzirem entrevistas de bastidores e, em seguida (de preferência na mesma sessão da entrevista, e não como pré-requisito para a entrevista), voltarem às fontes para aprovação de algumas citações ao vivo. “Queremos traçar uma linha contra algumas práticas”, disse. “Mas não queremos criar uma política abrangente que, em última instância, impeça informar nossos leitores.” A política consegue esse equilíbrio, acredita Leonhardt, e “a reação dos repórteres sugere que eles concordam”.

Ullman, que alegou falar por si e pela empresa, vê algo de positivo. “Observando com um novo olhar práticas existentes que podem representar um abuso é uma coisa boa”, afirmou. Porém, acrescentou: “Não gosto de ver demonizar o pessoal de relações públicas – a ideia de que nós somos o problema e os jornalistas são a solução. Não é só maus relações públicas e iscas manipuladoras. E do outro lado, os jornalistas ‘espertos’ que querem envergonhar as autoridades públicas com uma citação provocativa.”

Jeremy Peters acha a nova política razoável e acha que os leitores a apreciarão. “Nunca recebi tanta resposta dos leitores. Parece que estão dizendo ‘Obrigado por ter corrido o risco de se envergonhar a curto prazo e por tê-lo corrigido’.”

Criar essas regras foi absolutamente certo para o NYTimes. Enquanto o artigo de Peters trouxe atenção para a aprovação de citações, a questão não era segredo algum entre repórteres e editores. O NYTimes e outras organizações jamais deveriam aceitar ficar em tal posição.