Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Morre aos 95 historiador britânico Eric Hobsbawm

 

Um dos principais intelectuais contemporâneos, o historiador britânico Eric Hobsbawm morreu na madrugada de ontem, aos 95 anos, num hospital próximo a sua casa, em Londres.

Autor de livros respeitados e populares sobre história moderna e contemporânea e de ensaios marcantes sobre temas como jazz e banditismo social, editados em mais de 40 idiomas, ele morreu de pneumonia, após anos lutando contra uma leucemia.

Internado havia meses no Royal Free Hospital, o historiador continuava escrevendo e acabara de concluir uma nova coletânea de ensaios, chamada “Tempos Fraturados: Cultura e Sociedade no Século 20”, cuja publicação estava prevista para 2013 na Inglaterra e no Brasil.

Século 20 não era mistério para Eric Hobsbawm. Nascido meses antes da Revolução Russa de outubro de 1917, ele cruzou pessoalmente com momentos-chave da história contemporânea.

Era capaz, por exemplo, de contar detalhes de um dia invernal de janeiro de 1933 quando, saindo da estação Halensee S-Bahn de Berlim, onde vivia à época, viu numa banca um jornal com a notícia da eleição de Hitler como chanceler da Alemanha.

Leitor de Karl Marx e militante desde os 14 anos na juventude judaica comunista, deixou o país pouco depois.

Nascido em Alexandria, no Egito, o historiador se mudou aos dois anos para Viena e depois para Berlim. Ele chegou à Inglaterra aos 16 anos, com a irmã mais nova e o tio, que havia passado a tomar conta do casal de irmãos depois das mortes prematuras dos pais, um inglês e uma austríaca.

Trajetória

Sua trajetória universitária começou no King's College de Cambridge, onde dividiu alojamento com o filósofo austro-britânico Ludwig Wittgenstein. Ele se desenvolveu em especial no Birkbeck College, da Universidade de Londres, onde começou a dar aulas em 1947 (e da qual se tornou presidente em 2002).

A essa altura, Hobsbawm já integrava o Communist Party Historians Group, grupo de estudos ligado ao Partido Comunista Britânico, do qual fizeram parte outros historiadores influentes, como Christopher Hill (1912-2003) e E. P. Thompson (1924-1993), autor de “A Formação da Classe Operária Inglesa”.

A vasta bibliografia produzida por Hobsbawm seguiu temática semelhante à de Thompson. De seus mais de 30 livros, os mais conhecidos são o quarteto “A Era das Revoluções”, “A Era do Capital”, “A Era dos Impérios” (os três da editora Paz e Terra) e “Era dos Extremos” (Companhia das Letras).

Embora declarasse que os livros não foram concebidos como série, Hobsbawm dizia que os três primeiros poderiam ser lidos como a história do “longo século 19”, como apelidava o período de 1789 a 1914, e que o mais recente tratava do “curto século 20”, como se referia ao período entre 1914 e 1991.

Além destes, outras duas dezenas de títulos do historiador foram publicadas no Brasil, país onde ele desfrutou de popularidade especial, tendo vendido, apenas pela Companhia das Letras, que publicou seus oito livros mais recentes, 340 mil exemplares.

Em 2003, em sua última visita ao Brasil, como convidado da primeira edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o historiador disse ter vivido seus momentos “mais pop star”.

Em meio a gritos de “I love you”, retratos e pedidos de autógrafos, o historiador comentou com Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras: “Eu estou cansado dessa vida de Mick Jagger”.

Rock e futebol

Elogiado como historiador por sua enorme capacidade de síntese, Hobsbawm era espirituoso na escrita e fora dela. Em conversa com a Folha em Paraty, o historiador brincou que havia decidido ser inteligente por uma questão de sobrevivência: “Desde cedo me dei conta de que teria de ser esperto porque eu era muito feio”.

Torcedor do londrino Arsenal, fez ainda análises argutas e bem-humoradas sobre futebol, como a previsão de que o time dos chamados “galácticos” do Real Madrid não funcionaria, porque esporte se faz de conjuntos, e revelou que, apesar de ser conhecido como historiador do jazz, um de seus discos prediletos era “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles.

Com a mesma desenvoltura, Hobsbawm comentava na imprensa internacional fatos políticos importantes. Sobre a Primavera Árabe, ele declarou, no final do ano passado em entrevista à BBC, que “era com enorme alegria que via o povo tomar as ruas e derrubar governos outra vez”.

Fiel ao pensamento de Marx até o fim da vida, cravou em “Como Mudar o Mundo: Marx e o Marxismo, 1840-2011”, que o pensador continuava sendo “a maior de todas as grandes presenças intelectuais, só superada por Darwin e Einstein, mas bem à frente de Adam Smith e Freud”.

Num comunicado distribuído à imprensa para informar a morte do historiador, sua filha, Julia, escreveu: “Eric Hobsbawm deixa não só sua mulher dos últimos 50 anos, Marlene, seus três filhos, sete netos e um bisneto, mas também milhares de leitores e estudiosos no mundo todo”.

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[Cassiano Elek Machado, da Folha de S.Paulo]