Há uma curiosa discrepância entre os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo em torno da notícia sobre a morte de um suspeito, apontado como líder da facção criminosa conhecida como Primeiro Comando da Capital, na zona oeste de São Paulo.
Alex Claudino dos Santos, de 29 anos, foi morto a tiros por policiais de um grupo de elite da Polícia Militar. Os dois jornais apenas concordam quando afirmam que ele foi baleado “depois de supostamente resistir à prisão”. Para o Estadão, não há dúvida de que se trata de um dos chefes do crime organizado. Para a Folha, que reproduz texto do jornal Agora, do mesmo grupo, o morto é “apontado” como membro do PCC.
De qualquer maneira, os dois principais jornais paulistas apresentam uma mudança sutil, mas significativa, na abordagem dos episódios de violência que têm se repetido com grande frequência nos encontros entre policiais militares e delinquentes ou suspeitos.
Até muito recentemente, era praxe noticiar os fatos segundo a versão oficial, mas conforme evoluíram os números de mortos em confrontos com a Polícia Militar, e, por outro lado, com o aumento do número de policiais assassinados nos últimos meses, a imprensa parece convencida de que há uma guerra particular entre a PM e o grupo criminoso que, segundo dizem os jornais, domina os presídios paulistas.
Mais rigor
De acordo com o Estadão, essa “guerra” tem até uma data de início: o mês de maio, quando seis homens foram mortos pela polícia em uma ação num lava-rápido da zona Leste. Até então, diz o jornal, havia desde 2006 uma trégua velada entre a polícia e o crime organizado.
Depois desse episódio, os criminosos passaram a atacar policiais em folga, matando-os de preferência diante de seus familiares. Em 2011, foram 47 policiais assassinados nessas circunstâncias e, neste ano, o total já chega a 73.
O estado de guerra produz manifestações nas redes sociais: na rede Facebook há uma comunidade de seguidores da Rota – Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar –, o grupo de combate da PM paulista, na qual os simpatizantes estimulam a execução de delinquentes.
O noticiário composto pelos dois principais jornais do estado produz alguns esclarecimentos sobre a situação da segurança pública, mas também deixa algumas dúvidas. Por exemplo, ao publicar documentos revelando que policiais cobram propina do grupo criminoso para liberar suspeitos ou amenizar acusações contra traficantes, a Folha ajuda a entender como o crime organizado mantém seu poder nas ruas. Segundo a Folha, a facção possui 1.343 afiliados e atua em 123 cidades paulistas, com grande concentração em São Paulo, Campinas e Santos.
Também se pode depreender das reportagens que o aumento da violência tem relação com uma atitude mais rigorosa da Polícia Militar, provavelmente estimulada pelas cobranças da opinião pública que aparecem nas pesquisas sobre a questão da insegurança nas grandes cidades.
“Meia-boca”
Ao aumentar o rigor nas abordagens, com uma aplicação parcial do modelo conhecido como “tolerância zero”, a PM prejudica os “negócios” do PCC, desarticula seu domínio em algumas regiões e altera o “estado de inércia” habitual.
Esse “estado de inércia” poderia estar relacionado àquela outra notícia sobre acertos financeiros entre o grupo criminoso e determinadas delegacias, ou ao pagamento regular de propina a policiais.
O que falta esclarecer é: o que o Estadão quer dizer quando afirma que “desde 2006 havia uma trégua velada” entre a polícia paulista e o crime organizado.
Quando se sabe que policiais civis aproveitaram a onda de arrastões em restaurantes, há dois meses, para tentar vender proteção privada às vítimas, e quando se sabe que em algumas regiões da capital, como a Vila Santa Catarina, supostos representantes do PCC cobram proteção de comerciantes, o jornalismo precisa ir um pouco adiante.
A questão da segurança pública ainda é uma das maiores preocupações dos moradores de São Paulo e de outras cidades grandes e médias do estado. A situação de guerra entre a PM e o crime organizado e as denúncias de que pode ter havido complacência de outros setores da polícia, remunerada com propinas – se confirmadas –, podem estar apontando um caminho para o combate à violência: cobrar a extensão da “tolerância zero” também aos policiais corruptos.
Sem isso, trata-se apenas de uma “tolerância meia-boca”.
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