Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A web pode despertar?

No mundo dos filmes de ficção científica, 29 de agosto de 1997 foi um momento crucial da humanidade: nesse dia, segundo o filme Exterminador do Futuro, a Skynet, rede de computadores de defesa dos EUA, adquiriu consciência – e não demorou para lançar uma guerra contra o homo sapiens. Felizmente, a data passou sem esse apocalipse.

Mas os anos 90 nos trouxeram a World Wide Web, que é hoje bem maior e mais conectada. Poderia a internet despertar? Se puder, que tipos de pensamentos teria? Ela seria inimiga? O neurocientista Christof Koch acredita que nós em breve descobriremos – aliás, a complexidade da internet já pode ter ultrapassado a do cérebro humano. Em seu livro Consciousness: Confessions of a Romantic Reductionist (inédito no Brasil), publicado no início deste ano, ele faz um cálculo bruto: considerando o número de computadores no planeta – vários bilhões – e multiplicando pelo número de transistores em cada um – centenas de milhões – obtém-se cerca de um quintilhão, ou 1018. Isso é mil vezes maior que o número de sinapses no cérebro (cerca de 1015).

Koch, que lecionou durante mais de 25 anos e hoje é diretor no Allen Institute for Brain Science em Seattle, é conhecido por seu trabalho nos “correlatos neurais” da consciência – estudando o cérebro para ver o que ocorre quando temos experiências específicas. Claro, nossos cérebros são moles, úmidos e feitos de tecidos vivos, enquanto a internet é feita de chips e fios metálicos – mas isso não é obstáculo para a consciência, diz, desde que o nível de complexidade seja suficiente. (A maioria dos pesquisadores em inteligência artificial concordaria que o substrato não importa. A maioria dos filósofos, não todos, concordaria.)

Cada computador não sente nada

Koch observa que os tipos de conexões que cabeiam a internet são muito diferentes das conexões sinápticas em nossos cérebros. “Mas por qualquer medida, ela é um sistema de alta complexidade. Poderia ser consciente? Sim, poderia.” A definição de consciência é espinhosa, é claro, mas para nossos fins, basta dizer que se uma entidade é consciente, ela “sente” algo por ser essa entidade. Nós humanos somos conscientes, ao menos enquanto estamos despertos. A maioria dos animais provavelmente tem algum grau de consciência.

A maneira como a consciência realmente funciona é bem menos clara, mas Koch – isolado – diz que ela é uma propriedade fundamental do universo, assim como energia, massa e espaço. Isso não significa que qualquer sistema físico é consciente – apenas que tem esse potencial. Ele precisa ter suficiente complexidade, e precisa ser conectado da maneira correta. A internet preenche esses critérios?

Cada computador não sente nada, é claro, mas a totalidade da internet pode ser mais que a soma de suas partes. “Isso vale para o cérebro também. Uma de minhas células nervosas não sente nada – mas se a puser em conjunto com 100 bilhões de outras, ela subitamente poderá sentir prazer e experimentar a cor azul.”

Internet vai existir para sempre

Será que seu primeiro instinto seria eliminar aqueles humanos incômodos como o Skynet fez? Não necessariamente. Nossa própria evolução é uma luta em curso que começou há de 2 bilhões de anos (se acionarmos o relógio quando éramos algas azuis e verdes).

Por comparação, a internet de hoje parece um bebê recém-nascido. “Ela pode não ter nenhum dos instintos de sobrevivência que temos”, diz Koch. Se a internet alcançar a consciência, ela será – ao menos no início – “completamente ingênua sobre o mundo”. Mas a internet só existe há poucas décadas. Esse território já foi explorado por obras como a trilogia WWW de Robert J. Sawyer, cujos romances foram intitulados Wake (desperte), Watch (observe), e Wonder (imagine). Em Wake, a World Wide Web desperta – e, após alguma aquisição de conhecimento, torna-se a entidade mais inteligente do planeta.

Para Sawyer, o cenário de WWW é plausível do que nos espera num mundo cada vez mais conectado. Não podemos precisar a data em que a internet superará nossos cérebros, diz ele, “mas isso vai ocorrer em algum ponto”. Para ele, porém, a psicologia da internet recém-despertada seria muito diferente da nossa. Não se trata apenas da falta de uma história evolucionista. Trata-se da ausência de quaisquer rivais. “Cada um de nós é um de 7 bilhões, mas a internet é única. Isso vai ter um impacto enorme na sua psicologia”, diz. E apesar de compreendermos e temermos nossa mortalidade, a internet “teria toda razão para acreditar que vai existir para sempre – ou ao menos enquanto o planeta existir”, diz o escritor. Isso a diferenciaria.

Questões que merecem consideração

Mas há os que sentem que qualquer discussão é prematura. Daniel Dennett, filósofo e cientista cognitivo na Tufts University e autor de Consciousness Explained (Consciência explicada, inédito no Brasil), diz que a arquitetura da internet é tão diferente da do cérebro que ela pode simplesmente excluir a consciência. De novo, a evolução – ou a falta dela – é a chave. “As conexões nos cérebros não são aleatórias; elas são profundamente organizadas para servir a fins específicos”, diz Dennett. “Quais são a chances de uma rede projetada a serviço de propósitos diferentes compartilhar características arquitetônicas suficientes para servir como algum tipo de mente consciente?”

O físico Sean Carroll também é cético. “Não há nada que impeça a internet de ter a capacidade computacional de um cérebro consciente, mas isso está muito longe de ser realmente consciente”, diz. “Os cérebros reais passaram por milhões de gerações de seleção natural para chegar onde estão.”

Sawyer, porém, vê o crescimento contínuo da web como uma ameaça concreta à medida que a rede fica mais complexa num ritmo cada vez mais acelerado. “Há um momento após o qual não se poderá fazer mais nada. Devemos temer isso? Com certeza.” Mesmo que esses temores se revelem infundados, essas questões ainda merecem alguma consideração. Se a internet não tem o que é preciso para se tornar consciente, seria útil compreender por que não. Talvez possamos até chegar um pouco mais perto de aprender como nossos cérebros de 1,5 kg conseguem ser.

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[Dan Falk, da Slate]