Vamos ser francos. The New York Times é um jornaleco, um mero pasquim sensacionalista travestido de algo sério. Não foi à toa que ficou um tempão com um carinha chamado Jayson Blair, que se dizia jornalista e falseou informações e notícias a mais não poder. E agora vem esse correspondente americano no Brasil, Willian Larry Rohter Junior – mora no país há quase 30 anos, casado com uma carioca, duas filhas, conhecedor do Rio – fazer uma matéria sensacionalista sobre os supostos hábitos etílicos do presidente Lula e sua capacidade de governar o país.
Esse tipo de jornalismo sensacionalista e pseudomoral é muito comum nos EUA. Especialmente em época de eleições, quando se procuram literalmente os podres dos candidatos para divulgar sob forma de notícia. É como se os candidatos a qualquer cargo eletivo tivessem que ser santos, figuras puras, sem nenhum defeito, só com qualidades. Uma fantasia. São proibidos de ser humanos, com defeitos e qualidades inerentes a qualquer um. Essa hipocrisia é facilmente constatada nos EUA. Um exemplo bem conhecido é o do cara entrar na loja, comprar uma bebida, colocar dentro do saco e sair bebendo pela rua. É proibido beber álcool nas ruas. O cidadão pode ser preso. Mas, com ela no saco, tudo bem. Todos sabem disso, inclusive a polícia, mas ninguém faz nada. O carinha pode cair de bêbado, que tudo bem. Forçando a barra, sendo sensacionalista, é mais ou menos isso o que ocorre no jornalismo ianque. No Brasil, não existe esse tipo de sensacionalismo. Existem outros.
O que mais chama atenção na matéria do Larry Rother, um cara que mora há um bom tempo no país, que devia conhecer relativamente bem os hábitos, a história e o quem-é-quem no Brasil, é fazer um texto baseado em fontes, no mínimo, estranhas – Leonel Brizola, Diogo Mainardi e Cláudio Humberto – e em mexericos, fofocas que correm pelos corredores do poder. Não dá para aceitar num jornalista com a experiência e o histórico dele esse tipo de procedimento. Há algo de estranho nessa história toda.
Sem moral
Brizola, ex-líder populista, um típico caudilho da política brasileira, está em baixa há um bom tempo no cenário político brasileiro. Apesar de ter se aliado a Lula em várias oportunidades, nunca foi muito próximo do PT. Sempre que pôde alfinetou duramente Lula – ‘sapo barbudo’ é um bom exemplo – em várias ocasiões. E continua alfinetando ainda hoje sempre que alguma brecha aparece. Como esta, por exemplo. Mainardi, colunista da revista Veja, é um ser meio estranho, que recebe o espírito de Paulo Francis – principalmente quando ele era correspondente em Nova York – em seus textos, sempre descontente com a vida, com as coisas e, principalmente, com o PT e Lula. Um crítico feroz do governo atual. Cláudio Humberto é o mais emblemático de todos. Collorido de primeira linha, fez parte do governo de Fernando Collor de Mello, sempre foi antipetista de carteirinha, execrado pela história brasileira no período da renúncia-cassação de Collor de Mello. Seria estranho não falar mal de Lula, inclusive classificando-o como bêbado irresponsável e por aí afora.
A atitude do governo brasileiro em retirar o visto de permanência do jornalista ianque foi drástica, talvez até desnecessária. Foi uma medida, aparentemente, mais emotiva do que política. Agora, as reações de parte da classe jornalística brasileira – jornalistas, sindicatos, entidades, organizações etc. –, de alguns políticos e juristas é algo aberrante e sensacionalista. Por mais críticas que se tenha ao governo Lula, dizer que ele não é democrático e que não respeita as liberdades de imprensa por ter tomado essa medida é, no mínimo, de uma hipocrisia ímpar. É aproveitar-se de maneira oportunista de uma situação criada por todos os atores desse espetáculo sensacionalista para engrossar o caldo dos ‘descontentes com o PT’ em função do período eleitoral. Tudo bem que isso faça parte do ‘show’, mas limites éticos e de responsabilidade social. Não é exatamente isso que se procura na imprensa brasileira? Talvez não seria isso um freio para o sensacionalismo barato da mídia?
A reação do Departamento de Estado americano, da embaixadora americana no Brasil, do jornal NYT, de organizações internacionais pela liberdade de imprensa no mundo – tipo Repórteres Sem Fronteiras etc. –, dando um ‘pito’ no governo brasileiro pela atitude tomada, remete a épocas em que o colonizador mandava e desmandava nos pobres países periféricos e ocupados. Onde está a moral de qualquer um desses ‘senhores’ para criticar ou condenar essa ou aquela atitude? A maior parte da imprensa americana literalmente colocou o ‘rabo entre as pernas’, dobrou vergonhosamente a espinha dorsal frente às exigências de censura do governo americano desde o 11 de Setembro até agora. Manipulou grosseiramente as informações das invasões ao Afeganistão e ao Iraque, fazendo propaganda pura para manter o apoio da população americana à guerra de agressão e espoliação aos países muçulmanos.
Armadilha clara
Não mencionou, em nenhum momento, as denúncias de tortura de presos no Afeganistão, no Iraque e em Guantánamo, a base americana em Cuba, feitas por organizações internacionais – Anistia, Cruz Vermelha etc. – desde outubro do ano passado. Se agora estão denunciando os maus tratos deve-se ao fato de que essa situação vexaminosa e desumana chegou a um limite intolerável, mesmo para o governo Bush. É bom lembrar que a CBS só divulgou as fotos das torturas e humilhações aos presos iraquianos porque uma outra publicação as mostraria antes dela. Só por isso quebrou o acordo que tinha com as forças armadas americanas de não divulgar as fotos. Quer hipocrisia maior?
Do Departamento de Estado americano, bem, nem é precisa falar. O governo ianque está mais sujo do que ‘pau de galinheiro’ mundo afora. Alguém compraria um carro usado de um Bush, um Rumsfeld, Powell, Condoleezza, Cheney? Só se for louco! E, sem precisar apelar para teorias conspiratórias, essa matéria ajudou, e muito, a enfraquecer e manchar a imagem de Lula na cenário internacional, especialmente agora que os EUA estão voltando mais suas atenções políticas e militares para a América do Sul. Militarizar a Colômbia, sob a justificativa de combater o narcotráfico, é perigoso para o governo da Venezuela, para o Brasil e também para Cuba. É só ver no mapa!
Essa história toda está mal contada e cheira a podre. E o cheiro mais forte vem do Norte, onde se guardam escondidos muitos corpos putrefatos. A imprensa brasileira não pode cair na armadilha da falsa discussão sobre a liberdade de imprensa criada pela mídia americana. É ela quem está na berlinda. Tudo isso pode ter sido um lamentável equívoco, com atitudes estranhas de todos os lados, mas que está sendo aproveitado de maneira hipócrita e sensacionalista, isso está. E pior. Com ajuda, inocente ou não, de quem se diz defensor das liberdades de opinião e da imprensa. É muito sensacionalismo…
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Jornalista