A trágica perda de vida, a conexão com o terrorismo e o aniversário do 11 de setembro de 2001 – três ataques que, combinados, transformaram a invasão de uma embaixada americana na Líbia numa matéria que produziu reações fortes por parte dos leitores do The Washington Post.
Os comentários estavam inflamados por sentimentos que iam do ódio – como os que alegavam que o presidente americano Barack Obama é muçulmano e o Post está escondendo isso – à mera desilusão, como este de John Curtin, de Fairfax, uma semana após o ataque: “Por que o Post deixou a Fox News sair na frente na questão do assassinato de nosso embaixador na Líbia e de outros americanos? Para sobreviver, o Post deve deixar para trás a tendência de ignorar fatos quando se trata de Obama e não se entregar àquilo em que confiamos – a capacidade de um jornalismo internacional e militar talentoso. O tempo que demorou para ‘descobrir’ que os assassinatos foram planejados e que os avisos foram ignorados é constrangedor para o Post. Nunca sacrifiquem a credibilidade; é tudo o que têm.”
A cobertura feita pelo Post do ataque na Líbia foi boa no início e no final, mas houve uma lacuna infeliz no meio – em parte, mas não completamente, explicada por motivos de segurança – que fez com que o jornal parecesse envergonhar-se de descobrir que o governo de Obama tinha conhecimento prévio e se estava divulgando o verdadeiro retrato do ataque.
Poucas e “escondidas”
A informação sobre o ataque deu-se na noite de 11/9 e, portanto, o Post só tinha uma matéria com poucos detalhes confirmados, na página A10 do dia seguinte. Mas a notícia online, poucas horas depois, e a primeira página da edição de 13/9, deram informações ricas em detalhes e bastidores. Michael Birbaum, correspondente do jornal em Berlim temporariamente transferido para o Cairo, e o repórter Greg Miller, em Washington, juntaram-se para descrever um ataque planejado e violento contra a embaixada americana em Banghazi. Contavam que milícias fortemente armadas haviam chegado às instalações num comboio de carros, durante uma manifestação de protesto, e rapidamente partiram para o ataque. No sexto parágrafo, ainda antes da dobra da primeira página, Birnbaum e Miller escreveram: “Os primeiros indícios eram de que o episódio fora planejado e os atacantes haviam, astuciosamente, se aproveitado da manifestação de protesto no consulado.”
Mas nos dias que se seguiram parecia que Post quase silenciava sobre os bastidores do ataque na Líbia e, em vez disso, se concentrava nos crescentes e amplos protestos pelo mundo muçulmano detonados por um vídeo feito nos EUA ridicularizando o profeta Maomé. Essa era a grande matéria. Diplomatas americanos eram ameaçados em mais de 20 países por manifestações violentas nas duas semanas que se seguiram – e, vale ressaltar, esses países são bem maiores e mais importantes para os interesses americanos do que a Líbia.
Mas quatro cidadãos americanos, incluindo o embaixador, morreram em Benghazi e os leitores ficavam cada vez mais indignados que o Post não aprofundasse por que haviam morrido. Reportagens sobre o ataque na Líbia foram enterradas, sob as matérias das manifestações de protesto, ou “escondidas” na seção A – e foram poucas.
“O importante para os leitores é que continuamos no caso”
Uma circunstância atenuante ajuda a explicar parte da lacuna: o Post não tinha um repórter no norte da África no dia 11/9. Birnbaum estava no Cairo preenchendo um vazio, enquanto a nova correspondente, Abigail Hauslohner, estava em Washington recebendo treinamento. Ela só conseguiu um visto para a Líbia no dia 18/9 e chegou a Benghazi no dia 19/9. Uma vez no local, ela fez um trabalho excelente com um perfil das milícias provavelmente responsáveis pelo ataque.
Durante todo esse período, a CNN, a Fox News e outros veículos em Washington persistiam em questionar se o governo Obama estava sendo honesto sobre aquilo de que tinha conhecimento e se os assassinatos eram um ataque terrorista planejado. O Post publicou parte disso na sua matéria de 13/9, mas não deu prosseguimento. Miller finalmente retomou o assunto no dia 28/9, 17 dias depois do ataque, com uma matéria de primeira página baseada em informações de fontes de inteligência e comentários públicos do secretário da Defesa, Leon Panetta, sugerindo que era um ataque terrorista planejado com a possível participação de membros da al-Qaeda. Desde então, o Post vem acompanhando o assunto quase todos os dias.
As reportagens do Post, destaca o editor Kevin Merida, revelaram desde os primeiros momentos o possível envolvimento de membros da al-Qaida e que o ataque fora planejado, assim como questionavam a vulnerabilidade das instalações em Benghazi. “Como um todo, acho que o Post fez várias matérias fortes”, disse Merida. “Mas o que é mais importante para os leitores é que continuamos no caso, fuçando, procurando dicas e acompanhando-as. É uma busca incessante.”
O Post precisa continuar a fuçar. Aquela lacuna no meio enfureceu muitos leitores e reforçou as falsas suspeitas de que o Post estivesse acobertando Obama, o que o jornal não pode permitir que aconteça, conclui o ombudsman em sua coluna de domingo [7/10/12].