O relatório “Ten Years that Shook the Media World” (10 anos que sacudiram o mundo da mídia, tradução livre), divulgado semana passada pelo Instituto Reuters para o Estudo de Jornalismo, mostra que, mesmo depois de mais de uma década de mudanças dramáticas na mídia, o que estamos vivendo é apenas o começo de um período mais longo de transição.
O documento, cuja produção foi financiada pela Open Society Foundations, analisa seis democracias com população com alto poder aquisitivo (Finlândia, França, Alemanha, Itália, Reino Unido e EUA), assim como duas economias emergentes (Brasil e Índia). Juntos, esses países representam 30% da população mundial e mais da metade da população dos países democráticos.
Desafios com as novas tecnologias
Ao longo da última década, a tendência mais importante é a contínua expansão do número de opções disponíveis para audiências e anunciantes. Ainda assim, formas de mídia tradicionais, especialmente a TV, dominam o consumo de mídia, atraem uma proporção maior de anúncios e sustentam a maioria da criação de conteúdo – especialmente no que se refere a notícias.
Tudo isso deve mudar, com profundas implicações para a mídia como a conhecemos hoje. Até mesmo em regiões com níveis mais altos de acesso à internet, como a América do Norte e a Europa setentrional, a vasta maioria das atividades de jornalismo profissional continua a ser financiada por organizações de mídia tradicionais e por receita oriunda de plataformas offline. O surgimento de novas tecnologias representou, no entanto, uma profunda mudança no modo como comunicamos, interagimos e aprendemos sobre o mundo. Em muitos casos, grupos midiáticos emblemáticos, como as redes americanas ABC, CBS e NBC, e a brasileira Globo, viram-se diante do desafio de readaptar suas práticas jornalísticas e de negócios.
Na falta de grandes inovações, as pernas comerciais do jornalismo profissional tendem a erodir na maior parte do mundo ocidental, na medida em que a mídia tradicional entra em declínio – ou afasta-se da notícia – e poucos empresas que existem somente online encontram modelos sustentáveis para produção de notícias. Enquanto novas plataformas digitais criaram novas oportunidades para interação, sociabilidade, compartilhamento e busca, não está claro que esse seja um ambiente propício para o jornalismo profissional.
Expansão da mídia popular no Brasil e na Índia
No Brasil, e especialmente na Índia, o desenvolvimento econômico e a expansão da classe C impulsionaram o crescimento da mídia. O estudo indica que nesses dois mercados, levando em consideração suas diferenças, devem ser observados no futuro uma contínua fragmentação da audiência com um maior número de veículos (o caso Rede Globo é uma exceção, com a TV Globo detendo 49% de share de mercado em 2009); empresas jornalísticas tradicionais voltadas para a elite enfrentando os mesmos problemas das democracias ricas, ainda que em um ambiente com um número cada vez maior de jornais populares; e um nivelamento parcial das diferenças no consumo de notícias e nos níveis de conhecimento político, com veículos tendo uma audiência maior e mais diversa.
Em economias emergentes, e com a expansão da mídia popular, pela primeira vez, milhares de pessoas estão tendo acesso a notícias feitas para elas. Isso representa uma profunda democratização dos sistemas de mídia em termos de diversidade e alcance. No Brasil, a tiragem dos veículos impressos cresceu na última década, mas a população aumentou ainda mais rápido. Assim, de 2000 a 2009, a circulação per capita caiu 7%. Essa imagem de relativa estabilidade mascara algumas mudanças dramáticas na estrutura da indústria. “Houve uma transformação vigorosa no Brasil; 30 milhões de pessoas subiram na escala social e agora buscam por informação. São pessoas que eventualmente começaram a assinar uma revista, um jornal, uma TV a cabo… Os jornais populares são talvez o exemplo mais simbólico disso”, relatou Jorge Duarte, conselheiro especial da Secretaria de Comunicação da Presidência da República.
Para Sérgio D'Avila, editor-chefe da Folha de S. Paulo (que perdeu o título de jornal de maior circulação do país para o tabloide Super Notícias, em 2010), não há nenhum estado ou cidade importante sem um jornal popular com crescimento significativo. A estagnação na tiragem da Folha e o crescimento do Super Notícias também reforçam a mudança na indústria jornalística.
Jornais brasileiros eram moldados em parte pela tradição jornalística do sudeste europeu, com ênfase em análises longas e debate, voltados para uma audiência urbana, educada e de elite. “Nossos jornais sempre foram elitistas”, observa o professor aposentado Venício A. de Lima, da Universidade de Brasília, colunista deste Observatório. Isso vem mudando ao longo da última década, com o lançamento de jornais populares e sensacionalistas, voltados para classes que se beneficiaram do crescimento econômico e das políticas do governo Lula.
Em 2000, tabloides representavam um terço da tiragem total e jornais do país. Em 2009, saltaram para a metade. Enquanto títulos como Folha, O Globo, Estado de S. Paulo, enfrentam desafios como os de democracias ricas, tabloides como Super Notícias, Extra e Meia Hora crescem cada vez mais.
Internet ainda não é ameaça
No Brasil e na Índia a infraestrutura de internet (principalmente de banda larga) ainda é muito menos desenvolvida do que nas democracias ricas. A telefonia móvel está cada vez mais disseminada, mas poucos têm internet nos celulares. Isso significa que apenas os jornais destinados às elites urbanas enfrentam desafios relacionados à web que são tão pronunciados nos EUA e na Europa Ocidental.
Mais de 100 milhões de brasileiros ainda não são usuários de internet. Para um futuro previsível, a mídia no Brasil ainda é predominantemente de transmissão de TV terrestre, em geral um celular e jornais impressos. A internet ainda não matou os jornais no Brasil e na Índia, e seu papel no recente declínio da mídia impressa foi muitas vezes exagerado.
Mídia regional
A imprensa regional brasileira continua a sofrer claramente com conflitos de interesse, com muitos diários de propriedade direta ou indireta de famílias locais, com muitos interesses particulares e políticos. A propriedade concentrada, em especial o papel do conglomerado de mídia Globo, que já favoreceu candidatos em sua cobertura, levanta preocupações. Antonio Carlos Magalhães, até sua morte em 2007, é uma ilustração poderosa desse tipo de “coronelismo de mídia”. Ele foi por três vezes governador e três vezes senador da Bahia, ao longo de uma carreira de 50 anos que se estendeu em governos militares e democráticos, e manteve seu poder em parte pela propriedade do segundo maior jornal da Bahia, de uma afiliada da TV Globo e diversas emissoras de rádio.
A publicidade do setor público é usada algumas vezes para promover uma agenda partidária do governo, mas pode também influenciar a cobertura por conta da importância econômica para as empresas de mídia. “Em mercados muito pequenos do interior do Brasil, se a prefeitura detém de 30% a 40% da publicidade de um jornal, é óbvio que ele passará por pressões para sobreviver. Não há chance para ser independente, honesto”, disse Marcelo Rech, diretor-geral do grupo RBS.
Confira o estudo, em PDF, neste link. Informações do Reuters Institute [11/10/12].