Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Blogs, jornalismo e tecnologia

Em meio à explosão de modernas ferramentas online voltadas para a comunicação, as questões credibilidade, confiabilidade, real utilidade, auto-suficiência da internet e educação de futuros comunicadores vêm à tona. Neste campo, o jornalista, escritor, professor universitário e blogueiro José Luis Orihuela é expert. Orihuela leciona no curso de Jornalismo na Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra (considerado o melhor curso da Espanha) e é autor do livro La revolución de los blogs (La esfera de los libros, Madrid, 2006) e do blog eCuaderno.


Orihuela explica que suas linhas básicas de trabalho são a articulação entre a vida acadêmica e a atividade profissional externa, a preocupação com os efeitos da inovação tecnológica sobre os modos e meios de comunicação e, por fim, como se dá a projeção internacional desses efeitos na Europa e especialmente na América Latina. Orihuela descobriu os blogs através da tese de sua primeira aluna de doutorado e desde agosto de 2002 mantém o seu próprio, um dos mais influentes em língua espanhola.


Em entrevista ao Monitor de Mídia, o professor analisa as mais diversas ferramentas disponíveis na internet relacionadas à Comunicação e ao seu mais recente fenômeno: o microblogging.


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Com o surgimento dos blogs e de novas plataformas, como o Twitter e o Facebook, nasceu também o ‘jornalismo interativo/participativo’. Graças a internet, agora cada um pode converter-se em seu próprio meio. Podemos considerar realmente aproveitável o produto resultante das informações agregadas (levando em consideração fatores como credibilidade e confiabilidade, já que o ambiente digital possibilita mais facilmente a manipulação da informação)?


José Luis Orihuela – Graças às tecnologias da web social, os cidadãos podem participar, agora de maneira efetiva, no espaço público da comunicação. Isto é muito bom, mas não é Jornalismo, nem tem que ser. Creio que ‘jornalismo participativo’ é um conceito errôneo porque não há jornalismo sem jornalistas e porque o jornalismo é uma profissão. Prefiro falar de meios participativos ou de meios sociais. Ter uma página de internet, um blog, um microblog ou participar de uma rede social não converte ninguém em jornalista.


Contar o que passa à nossa volta, os eventos cotidianos ou extraordinários que protagonizamos ou de que somos testemunhas, é algo que todas as pessoas fazem no dia-a-dia. A novidade consiste em que agora cada vez mais gente tem a oportunidade de publicar isto.


Uma vez que se tenha conseguido que a publicação de conteúdos e sua disponibilidade em escala global seja um processo amigável, emergem os problemas associados a um sistema de publicação sem filtro prévio: ‘infopoluição’, visibilidade e credibilidade.


Publicar um fato relevante em um blog não tem nenhuma repercussão se o blog não é relevante, se não é vinculado a algum blog que seja relevante ou a um filtro social de notícias, ou bem replicado por um meio tradicional. O mesmo ocorre com as ferramentas de microblogging: publicar em uma conta de Twitter que não tem followers é uma tarefa inútil.


O Google se converteu em um dos mais importantes distribuidores de tráfego da web, de modo que a visibilidade de uma página perante a ferramenta resulta vital, mas é cada vez mais complexo pela quantidade de páginas que competem pela atenção dos usuários. Superar esta primeira barreira já supõe certo reconhecimento e relevância para uma página, ao menos de cara ao usuário médio da rede. A credibilidade e o prestígio, como em qualquer outro meio, se conseguem à força de dotar de valor um nome ou uma introdução à medida que regularmente consegue produzir conteúdos de qualidade que nos resultam úteis.


É certo que o anonimato ou a camuflagem de identidades deixam na rede uma maior margem para a manipulação e distribuição de rumores. Mas ante esta realidade, não há que perder de vista que tampouco os meios tradicionais estão à margem destas práticas. Além disso, na rede, as mentiras têm as pernas mais curtas que no mundo físico.


The New York Times chama o Twitter de ‘um dos fenômenos que crescem mais rápido na internet’. A revista Time diz: ‘Twitter está no caminho de transformar-se no próximo killer app’. A Newsweek publicou ‘De repente, parece que o mundo inteiro gira em torno do Twitter’. No seu blog você comentou que o Twitter é uma das melhoras ferramentas para o acompanhamento ao vivo de fontes múltiplas para o caso de eventos massivos em desenvolvimento (a exemplo de uma jornada eleitoral). Este, então, é seu principal objetivo como usuário do Twitter? Você acredita no potencial jornalístico dessa ferramenta?


J.L.O. – Twitter, e outros serviços similares como Powce e Jaiku, permitem que redes de pessoas com interesses afins compartam informação de uma forma rápida e não-invasiva. Trata-se de uma evolução do formato weblog que se designa como microblogging e consiste na fusão de blogs com mensagens instantânea e redes sociais.


Como ocorre com qualquer outra ferramenta de software social, são os usuários os que têm a faculdade de converter seu emprego em algo positivo ou de arruiná-la. Os usos habituais de Twitter são: a rotina cotidiana (‘What are you doing now?’ é o lema de Twitter), as conversações (a estilo de um chat), compartilhar informação (normalmente páginas URL) e ocasionalmente publicar notícias.


Em um plano profissional, há trabalhos nos quais o feedback e a ajuda das pessoas, da audiência, do público é especialmente importante, como a pesquisa, a busca de informação e em geral, o Jornalismo. Neste sentido, o Twitter é uma magnífica ferramenta para detectar tendências, estabelecer conversações com especialistas, solicitar dados e idéias, antecipar temas em desenvolvimento e debater opiniões.


O Twitter pode ser usado para contar em tempo real um processo eleitoral, um evento esportivo, para interar-se de um terremoto no México ou em Madri, para seguir incêndios nas Canárias ou na Califórnia, para difundir informação sobre o narcotráfico (em Caracas, por exemplo), alertas (Cruz Vermelha nos Estados Unidos), ofertas de viagens, anúncios classificados e manchetes. O Twitter é usado em conferências como backchannel e para transladar perguntas aos oradores/ conferencistas.


Em post recente de seu blog você afirma que o Facebook está se convertendo em um modo muito interessante de estruturar nossa presença e identidade online. Contudo, estas novas tecnologias cibernéticas (como o Tuenti, Orkut e o Twitter) englobam também futilidades como ‘hoje fui ao supermercado’, ‘hoje comprei um IPod’, ‘ontem fui na festa tal’. Esse tipo de informação pode, de alguma maneira, ser útil para a construção coletiva do conhecimento dentro da esfera ‘social’ do mundo virtual?


J.L.O. – Tradicionalmente, cada inovação tecnológica em comunicação tende a se aludir com um discurso apocalíptico produzido desde os meios que se sentem ameaçados e desde o marco cultural que o novo meio vem a mudar. Além disso, de fato, os usos iniciais das novas aplicações tendem a ser triviais. Mas instalar-se na trivialidade ou dotar as aplicações da Web 2.0 de sentido e força social está em nossas mãos, não é algo que dependa da própria tecnologia.


Pesquisas nos EUA mostraram que a circulação dos jornais deste país diminui a cada ano e que a mídia impressa já não sabe o que fazer com a internet. O jornal espanhol ABC também já publicou que a blogosfera (com mais de 100.000 entradas novas a cada dia) começou a exercer como quinto poder. Qual sua opinião sobre o debate ‘jornalismo impresso x jornalismo online’ (considerando a blogosfera como meio jornalístico)?


J.L.O. – Creio que o debate central não é entre mídia impressa e mídia online, senão entre meios tradicionais convertidos em meios digitais frente aos meios digitais nativos e a explosão da web social.


Os meios tradicionais complementaram-se por razões estratégicas à web social, ainda que lhes faltem convencimento e preparação para fazê-lo bem. Pôr ‘bijuteria social’ ao pé de cada notícia publicada não é suficiente.


Por sua parte, os meios hiperlocais, como portais dos cidadãos, podem cumprir uma função informativa muito relevante e que não está suficientemente coberta pelos meios tradicionais.


O grande paradoxo da atual situação consiste em pretender que cada parte faça o que não sabe fazer: os cidadãos não sabem nem podem produzir conteúdos de qualidade jornalística de forma regular, e os meios não sabem nem podem conversar de forma natural com suas audiências.


A web social não tem a função de substituir os meios tradicionais nem de converter-se neles, sua maior fortaleza e sua maior debilidade é precisamente seu caráter comunitário, descentralizado e amador. Justo o contrário a um meio tradicional, que é massivo, hierárquico e profissional. O grande feito para as indústrias da comunicação consiste em mudar a cultura corporativa, o modo que se entende e se administra a informação e as relações com os usuários.


Em 1999, Martin Wolf, então diretor adjunto do Financial Times, já havia dito em entrevista ao jornal espanhol ABC que os jornais já não eram uma fonte de informação básica, senão de valor adicional. Você pensa que ao decorrer destes nove anos a internet já se converteu totalmente em fonte de informação básica?


J.L.O. – A internet é, sem dúvida, o meio que melhor se adapta à natureza complexa, poliédrica e dinâmica da informação. Não há nenhum meio tradicional que possa competir neste sentido. Agora, do que se trata é de ajudar aos meios tradicionais a convergirem, a reinventarem-se, a redefinirem-se. A internet não vai substituir nenhum meio, ao menos nos próximos 20 anos, mas obriga a todos a mudar.


Em entrevista recente a Juan Varela, você comentou que a internet tende a reforçar opiniões próprias na medida em que usuários e produtores de conteúdo expõem tais opiniões na web. Como exemplo você citou que a influência da internet se projetou na clara bipolarização do resultado das eleições de 9 de março na Espanha. Então a internet é, também, formadora de opinião a ponto de decidir o futuro de um país?


J.L.O. – A internet, como tem ocorrido historicamente com outros meios de comunicação, tende a reforçar as opiniões próprias à medida que os usuários e os produtores de conteúdo tendem a expor suas opiniões nos meios (dissonância cognitiva). Sendo assim, ela reforça as opiniões que se percebem como dominantes provocando a marginação ou ocultação das opiniões divergentes (espiral do silêncio).


Nas eleições espanholas, a influência da rede e do resto dos meios de comunicação se projetou na clara bipolarização do resultado. Os debates e as enquetes, assim como boa parte da conversação na rede, têm girado de modo regular somente em torno dos dois partidos majoritários. Neste sentido, ganharam os partidos em seu empenho de polarizar o debate, de subtraí-lo do confronto com jornalistas independentes e de fazer algumas pessoas crerem que o processo se desenvolvia por causa da web social. Os políticos não escutaram a conversação da rede, ou não quiseram ou souberam formar parte dela. Pediu-se um debate cidadão na internet e se obteve um simulacro de participação em canais abertos pelas televisões no Youtube.


A favor da rede temos que reconhecer o fato de que um partido criado seis meses antes das eleições, e que carecia de grandes apoios midiáticos, conseguiu eleger uma deputada [Rosa Díez Gonzáles – UPyD (Unión, Progreso y Democracia)] graças à mobilização dos internautas.


De que forma as transformações e o impacto das novas tecnologias disponíveis para os meios afetam o ensino de jornalismo?


J.L.O. – Os universitários e seus docentes têm que levar mais a sério sua alfabetização digital. Hoje, boa parte de nossa cultura está se construindo sobre os intercâmbios informais de informação entre particulares à margem dos meios massivos tradicionais. ‘Gente comum’ está usando a rede para publicar conteúdos próprios, para misturar, valorizar e compartilhar conteúdos de terceiros, para relacionar-se e para cooperar. Temos que nos apropriar das novas ferramentas sem complexos e integrá-las às nossas práticas cotidianas de gestão de informação. Se não fizermos, não teremos uma voz autorizada para nos queixar pelos seus usos triviais (na melhor das hipóteses) quando estes se generalizarem.


Qual é o perfil do professor de Jornalismo do século 21 levando em conta todo o desenvolvimento ocorrido no campo da comunicação?


J.L.O. – Ensinar Comunicação exige cada vez mais integrar a formação teórica e a pesquisa básica com a experiência prática sobre o terreno real, de preferência de caráter profissional. Um bom professor, em qualquer época, segue sendo alguém que ajuda seus alunos a aprender a observar a realidade, a pensá-la com critério e comunicá-la com clareza.


Para saber mais:


** http://www.unav.es/fcom/profesores/orihuela.htm


** www.ecuaderno.com


** www.twitter.com/jlori

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Do Monitor de Mídia