Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Somos nós no chip

O caso da associação entre o Magazine Luiza e a operadora de telefonia Claro, tratado aqui na quarta-feira (24/10, ver “Em busca da audiência: O exemplo do comércio”), provocou algumas reações de estudiosos das mídias digitais, em evento ocorrido no Programa de Educação Continuada da FGV, em São Paulo.

A iniciativa da rede de varejo, em associação com a operadora de celulares, de vender um chip para celular pré-pago que dará email, além de acesso a redes sociais e a alguns sites, começa a ser vista como um acontecimento que pode virar tendência em alguns setores da economia. Uma das consequênciasdessa possibilidade seria uma redução dos investimentos em publicidade tradicional.

Um dos raciocínios mais evidentes se refere à inclusão digital de centenas de milhares de pessoas – as duas empresas falam em distribuir pelo menos um milhão de chips – num processo acelerado. O exemplo dos serviços bancários automatizados é sempre citado quando se fala da capacidade de adaptação dos brasileiros, mesmo aqueles que não contam com alto nível de educação, a sistemas eletrônicos, bem como a natural curiosidade das pessoas com relação a novidades tecnológicas.

Pouco conhecimento

No caso da parceria em questão, observa-se que os clientes da rede de lojas terão que aprender a usar novos aplicativos dos telefones celulares, que os transformam em uma versão mais simples dos smartphones.

Considerando-se que a tendência mais recente das comunicações é exatamente a associação da mobilidade com a comunicação em rede e a crescente capacidade da internet de armazenar e distribuir dados complexos, tem-se então a receita para uma nova espécie de literalidade.

Isso quer dizer que muito mais pessoas, a partir de iniciativas como essa, poderão aprender a usar recursos sofisticados de comunicação, mesmo que sejam apenas razoavelmente educadas, no sentido formal do termo.

Existem no Brasil, em operação, quase 259 milhões de linhas de celulares, ou seja, mais de um telefone para cada pessoa, e 81% deles são do tipo pré-pago, o preferido das classes de renda ascendentes.

Levada a proporções aproximadas da que alcança no Brasil o uso de telefones celulares, a possibilidade de acesso à internet, ainda que restrita inicialmente aos sites do Magazine Luiza e da operadora Claro, pode iniciar um movimento de alavanca nas comunicações.

Logo outras empresas e operadoras deverão seguir essa iniciativa, o que pode estimular uma mudança de hábito em um grande número de pessoas, a se considerar o fenômeno dos memes na rede mundial, ou seja, a expansão acelerada de novos comportamentos.

Já se sabe que isso acontece na grande massa composta pelos brasileiros em ascensão social. Mas há muita especulação e pouco conhecimento sobre como essa população se apropria de novos conhecimentos e novas práticas.

Repensar o negócio

Esse raciocínio conduz a um questionamento básico, que trata do objeto de nossas observações: que consequências a aceleração do acesso a redes sociais digitais pode trazer para as empresas tradicionais de mídia?

A resposta parece evidente: pelo menos um dos grandes portais de internet, associado a um dos principais jornais do país, já está se movimentando para oferecer conteúdo noticioso aos clientes do Magazine Luiza que comprarem o chip da Claro.

Por outro lado, observe-se que, ainda que consigam participar dessa e de outras iniciativas do gênero, o fato é que as empresas tradicionais se deslocam do centro do sistema de mediação e, como neste caso, passam a funcionar como elementos agregados a uma iniciativa nascida em outro setor.

Se, no atual cenário das comunicações digitais, tudo gira em torno de relacionamentos, qualquer setor da economia pode construir sua própria estratégia de comunicação sem mediação e adquirir seus próprios meios para se manter conectado ao mercado e à sociedade.

Essa tendência vem se acentuando com o desenvolvimento de aplicativos que permitem monitorar o comportamento de usuários da rede em detalhes muito específicos, o que tem produzido intensos debates sobre privacidade e outros direitos individuais. Por outro lado, reduz-se ainda mais o campo de atuação das mídias tradicionais, que demoram a reagir.

Nesta altura dos acontecimentos, as empresas de comunicação precisam de uma verdadeira revolução estratégica.