Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Excesso em enredo banal

Tráfico de drogas, tráfico de mulheres, UPPs, favelas pacificadas, favelas conflagradas, Lei Maria da Penha, Eliza Samudio, funk, impunidade judicial, indiferença policial, choque cultural, choque religioso, onemania (o vício secreto de fazer compras compulsivamente). Gloria Perez ainda tem de aprender uma lição tão antiga quanto a humanidade: quando você quer falar de tudo ao mesmo tempo, acaba não falando de nada com alguma profundidade – ou então banalizando todos os temas.

A metralhadora de assuntos levantados no primeiro capítulo de Salve Jorge anuncia uma saturação precoce. O mais complicado é que o discurso da autora se dissolve em sua própria forma de abordagem. Critica a violência contra a mulher e a “objetificação” feminina na ética da favela, mas logo em seguida coloca a patricinha do Leblon de biquíni fazendo strip-tease em um chá de cozinha com as amigas, para gáudio do espectador macho. Arroga-se inimiga da alienação, mas reforça a alienação em sua superficialidade, mostrando a mulher brasileira no exterior como uma caçadora de facilidades, uma presa fácil da virilidade do turco errático.

A direção também é conservadora, não conseguiu criar uma única situação convincentemente dramática na invasão do Morro do Alemão, apenas enfatizando as imagens já exaustivamente mostradas pela Rede Globo. Não houve vertigem, não houve um ritmo cinematográfico, foi até monótono, apesar das saraivadas de tiros. Há também um incômodo ranço propagandístico na novela, não era necessário.

Volta do novelão

Chama a atenção, entre o elenco, a promissora estreia de Nanda Costa (Morena), e a consolidação de um novo grande nome na TV, Alexandre Nero (Stênio). Parecem veteranos, tamanha a desenvoltura. Giovanna Antonelli já é um animal televisivo, domina a cena com a respiração, a movimentação, a ansiedade, o ritmo, tudo no tempo certo. Talvez só Gloria Pires lhe faça frente hoje em dia nesse veículo. Já o núcleo turco repete fórmula também cansativa da própria autora, até com os mesmos atores de outros sucesso, como Antonio Calloni (Mustafá), de novo como um comerciante moralista e ambicioso – só muda o país, agora é a Turquia.

A comparação com a novela anterior, Avenida Brasil, faz-se incontornável, todo mundo está comparando – afinal, ela acabou na sexta-feira. Então, o que as distingue? Bom, Avenida Brasil tinha a realidade como paradigma, mas criou sua própria dimensão, seu próprio microuniverso a partir da realidade. Salve Jorge parece querer mimetizar a realidade, com o noticiário amparando a ficção. Avenida Brasil vivia da ambivalência moral, das gags, dos cacos e da improvisação dos personagens-satélite, como Zezé, Silas, Leandro, Leleco. Salve Jorge, pelo início, é mais maniqueísta, tem o “bem” e o “mal” como fronteiras indevassáveis. Isso coloca quase todo o protagonismo nos personagens centrais, não permite “respiros”. É a volta ao novelão, mas até nisso a trama vai precisar das bênçãos de São Jorge para não chatear o espectador antes do primeiro mês.

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[Jotabê Medeiros, do Estado de S.Paulo]