A segunda-feira, 14 de abril, vai ficar na história do jornal Le Monde e da imprensa francesa. Era a segunda vez desde sua fundação – em 1944, por Hubert Beuve-Méry – que o jornal mais respeitado da França não era encontrado nas bancas.
A greve dos jornalistas do Le Monde é totalmente atípica pois eles são ao mesmo tempo assalariados e acionistas do grupo de imprensa que tem o nome do jornal (a Société des rédacteurs du Monde detém 29,58% das ações do grupo). A decisão de ‘reestruturar’ o Monde com a demissão de 130 pessoas, inaceitável para os jornalistas, é apresentada pela direção como o único caminho para manter a independência do jornal de centro-esquerda.
O plano de reestruturação ‘para obter uma economia mínima de 15 milhões de euros em dois anos e chegar ao equilíbrio em 2009’ foi rejeitado pelos jornalistas, que decidiram entrar em greve. Na redação, serão entre 85 a 90 repórteres, redatores ou editores desempregados.
Além das demissões no jornal, o plano prevê a venda de títulos do grupo Le Monde como Fleurus Presse (doze revistas para a juventude), as Éditions de l’Étoile (que edita o Cahiers du cinéma), a revista Danser e a rede de livrarias religiosas La Procure.
O presidente do diretório do Le Monde Eric Fottorino explicou que essa é ‘a’ solução para enfrentar a crise do jornal e manter a independência tão cara aos jornalistas. A outra seria a entrada de capitais externos (o grupo Lagardère é uma hipótese, a outra é o grupo espanhol Prisa) comprometendo a independência do diário.
Poder em xeque
A crise do grupo Le Monde é mais profunda que a de um simples jornal. O grupo cresceu, se diversificou e acumulou dívidas atribuídas pelos jornalistas à megalomania dos ex-dirigentes Jean-Marie Colombani e Alain Minc. O grupo, que tem 1.600 assalariados, se chama Groupe Le Monde et Partenaires associés, e edita, além do jornal diário, outras revistas e jornais como Cahiers du cinéma, Télérama, Courrier International, Le Monde Diplomatique e Le Monde des religions.
‘Desde que a Société des rédacteurs du Monde é acionista do jornal, isto é, desde 1951, ela tenta definir a estratégia do jornal mas também gerenciá-lo. A estragégia de Colombani de formar um grupo de imprensa em torno do Le Monde era a maneira de evitar que o jornal fosse comprado por um grupo de imprensa ou por um grupo financeiro sem ligação com a imprensa’, analisa Patrick Eveno, historiador e especialista do Le Monde. ‘A Sociedade dos redatores aprovou essa estratégia durante dez anos e decidiu romper com ela em 2005, talvez não por estar em desacordo, mas pelo medo de perder seu poder de acionista.’
Internet e gratuitos, os vilões
Apesar do prestígio, o grupo vai mal. Ele deve 150 milhões de euros e já acumula perdas de 16 milhões de euros. Um terço dessas perdas vêm do déficit do jornal, que vê se evaporarem lentamente os anunciantes enquanto as vendas estão estagnadas. Os vilões são a internet e os jornais gratuitos. Ambos roubam sistematicamente leitores e publicidade dos jornais tradicionais.
A grave crise da imprensa francesa se reflete nas greves repetidas. Segundo a revista semanal de economia Challenges, 28 redações francesas fizeram greve nos últimos nove meses.
Eric Fottorino declarou que ‘compreende a emoção’ dos assalariados do jornal, mas se diz determinado a manter a independência e para isso só vê como saída o enxugamento da folha salarial. Ele argumenta que o jornal tinha até há poucos anos 42 páginas e hoje não passa de 32, e precisa adequar o tamanho da redação à nova realidade.
Os diversos sindicatos de jornalistas se pronunciaram num comunicado no qual dizem que o governo não pode ignorar a grave crise que a imprensa atravessa, e que ‘o direito à informação dos cidadãos está ameaçado’.
Resta saber se o governo, cujos cofres estão vazios – conforme declararam o presidente Nicolas Sarkozy e seu primeiro-ministro, François Fillon –, está interessado em salvar ‘o direito à informação dos cidadãos’. Sobretudo quando a hipótese de aporte de capital ao jornal interessa ao ‘irmão’ de Sarkozy, Arnaud Lagardère.
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Os jornalistas do Le Monde fizeram na quinta-feira (17/4) o segundo dia de greve numa mesma semana. Fundado em 1944, a única paralisação na história do jornal ocorrera em 1976. O movimento atual é contra a prevista demissão de 130 empregados, medida necessária – segundo seus gestores – para reverter o pesado déficit operacional do jornal. Le Monde tem circulação diária média de 354 mil exemplares.
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