Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

José Queirós

“Os lei­to­res do PÚBLICO fica­ram a saber, por uma notí­cia publi­cada no pas­sado dia 17, que 'já fecha­ram 14 mil empre­sas este ano' e que 'a cri­a­ção de novos negó­cios caiu 15%'. Foram estas as duas ideias esco­lhi­das para o título da peça que ocu­pava a página 15 dessa edi­ção, e a pri­meira foi igual­mente des­ta­cada em cha­mada de pri­meira página.

O texto em causa, assi­nado pela jor­na­lista Raquel Almeida Cor­reia, e acom­pa­nhado de uma info­gra­fia de fácil lei­tura, retra­tava a situ­a­ção da eco­no­mia por­tu­guesa atra­vés dos indi­ca­do­res dis­po­ní­veis sobre cri­a­ção e encer­ra­mento de empre­sas, e os núme­ros que refe­ria esta­vam longe de se resu­mir aos que foram cita­dos nos títu­los. Mos­tra­vam tam­bém, por exem­plo, que no período con­si­de­rado (Janeiro a Setem­bro deste ano) o saldo entre aber­tura e fecho de empre­sas con­ti­nu­ava a ser posi­tivo — o que aliás era refe­rido na cha­mada de capa e no pós-título da notícia.

Dois lei­to­res cri­ti­ca­ram o ângulo esco­lhido pelo PÚBLICO para noti­ciar estes dados, e sobre­tudo os títu­los uti­li­za­dos, ale­gando que a ênfase não deve­ria ter sido colo­cada na infor­ma­ção 'nega­tiva' (o fecho de empre­sas), mas no aspecto 'posi­tivo' (mais empre­sas cri­a­das do que extintas).

João Cai­ano, do Porto, per­gunta 'se não existe uma inten­ção deli­be­rada de lan­çar sis­te­ma­ti­ca­mente notí­cias nega­ti­vas'. 'Lendo com aten­ção', escreve, 'veri­fi­ca­mos que em 2012 já foram cri­a­das 22.095 empre­sas, entre Janeiro e Setem­bro, ou seja, mais do que em 2009 e sen­si­vel­mente o mesmo que em 2010. O saldo líquido é cla­ra­mente posi­tivo (…), o que de facto é notá­vel e deve­ria ter sido alvo de maior des­ta­que'. Na sua opi­nião, a jor­na­lista deve­ria ter 'real­çado a capa­ci­dade empre­en­de­dora dos empre­sá­rios por­tu­gue­ses, que no cená­rio de crise actual têm a cora­gem e a ousa­dia de criar 22.095 novas empre­sas, fechando ape­nas 14.458″. No mesmo sen­tido se pro­nun­cia Ricardo d’Azevedo, de S. Pedro do Esto­ril, para quem 'o título do artigo (…) pro­cura man­ter a depres­são dos por­tu­gue­ses, pois o que [se] deve­ria titu­lar é que há um saldo líquido entre a extin­ção e a cri­a­ção de empre­sas nos pri­mei­ros nove meses do ano'.

Em tra­ba­lhos deste tipo, que retra­tam com recurso a diver­sos indi­ca­do­res uma rea­li­dade mul­ti­fa­ce­tada, é comum sur­gi­rem crí­ti­cas à ênfase colo­cada, sobre­tudo nos títu­los, em aspec­tos con­si­de­ra­dos nega­ti­vos, em detri­mento dos que seriam posi­ti­vos (ou vice-versa). São crí­ti­cas que em mui­tos casos se limi­tam a reflec­tir os dife­ren­tes olha­res e legí­ti­mas pre­fe­rên­cias de cada lei­tor, mas não dis­pen­sam a aná­lise dos argu­men­tos jor­na­lís­ti­cos em que se fun­da­menta a esco­lha do ângulo pri­vi­le­gi­ado numa notícia.

Veja-se a expli­ca­ção da jor­na­lista, assente na ten­dên­cia reve­lada pelos núme­ros: 'De facto, e tal como tem acon­te­cido todos os anos, a cri­a­ção de empre­sas supera o número de encer­ra­men­tos. Mas titu­lar a notí­cia dessa forma seria fazer uma aná­lise sim­plista dos dados que reco­lhe­mos. Isto por­que os regis­tos refe­ren­tes aos pri­mei­ros nove meses de 2012 (…) mos­tram uma inver­são da ten­dên­cia veri­fi­cada no mesmo período de 2011. De Janeiro a Setem­bro de 2012, houve uma subida expres­siva no número de dis­so­lu­ções (33%), enquanto em 2011 se tinha veri­fi­cado uma redu­ção de 26% neste indi­ca­dor, face a 2010. Além disso, em 2012 o número de soci­e­da­des cons­ti­tuí­das caiu 15%. Em 2011, tinha-se regis­tado um aumento de 18%'.

Raquel Almeida Cor­reia refere ainda, como já o fizera no texto publi­cado, 'outro ponto impor­tante, que jus­ti­fica a esco­lha do ângulo sub­ja­cente à notí­cia': 'A subida no número de dis­so­lu­ções é expli­cada, em grande parte, pelo acrés­cimo dos cha­ma­dos encer­ra­men­tos reais (ou seja, os que não são fei­tos por via admi­nis­tra­tiva nos ser­vi­ços do Minis­té­rio da Jus­tiça e que reflec­tem, de uma forma mais con­creta, as difi­cul­da­des das empre­sas naci­o­nais)'. Subli­nha que 'o artigo não é omisso no que diz res­peito ao saldo líquido entre a dis­so­lu­ção e cons­ti­tui­ção de soci­e­da­des', e que, se esse fosse o indi­ca­dor mais sig­ni­fi­ca­tivo, 'teria sido esse o ângulo esco­lhido'. E dá uma última expli­ca­ção para essa esco­lha, tam­bém pre­sente no texto que assi­nou: 'Ape­sar de con­ti­nuar a haver mais cri­a­ção do que encer­ra­mento de empre­sas, a esca­lada do desem­prego indi­cia que esta ‘subs­ti­tui­ção’ não está a com­pen­sar total­mente os pos­tos de tra­ba­lho que se per­dem com o aumento da dis­so­lu­ção de soci­e­da­des em Portugal'.

Julgo que a expli­ca­ção é con­vin­cente. A opção de colo­car em título o facto de ter havido nos últi­mos nove meses mais aber­tu­ras do que fechos de empre­sas não seria a mais acer­tada no plano jor­na­lís­tico. Não se tra­tava de um dado novo, e seria desa­jus­tado enfatizá-lo quando esse 'saldo posi­tivo', no que corre de 2012, repre­senta afi­nal ape­nas metade do veri­fi­cado no ano ante­rior. Na minha opi­nião, a notí­cia em causa é com­pleta e bem con­tex­tu­a­li­zada e o seu título decorre de uma inter­pre­ta­ção ade­quada dos dados recolhidos.

Assi­na­tu­ras em dia de greve

Chegaram-me no último fim-de-semana várias men­sa­gens de lei­to­res que fize­ram ques­tão de expri­mir o seu apoio à greve levada a cabo pelos jor­na­lis­tas e outros tra­ba­lha­do­res do PÚBLICO no pas­sado dia 19, em pro­testo con­tra o anún­cio do des­pe­di­mento de 48 tra­ba­lha­do­res da empresa. Como se sabe, a para­li­sa­ção regis­tou uma ade­são muito ele­vada, embora não tenha com­pro­me­tido a publi­ca­ção do jor­nal no dia seguinte, nem a actu­a­li­za­ção noti­ci­osa da edi­ção on line ao longo da jor­nada de greve.

O noti­ciá­rio desse dia no site do PÚBLICO foi alvo da crí­tica da lei­tora Sofia Branco, que mani­fes­tou a sua 'indig­na­ção' pelo facto de várias notí­cias 'terem sido publi­ca­das online com a assi­na­tura colec­tiva ‘Público’'. A lei­tora, que é tam­bém jor­na­lista, con­dena o recurso a 'assi­na­tu­ras colec­ti­vas de tex­tos em dia de greve', e argu­menta que 'essa assi­na­tura enco­briu, no ano­ni­mato, os tra­ba­lha­do­res que opta­ram por não fazer greve, e teve como pre­ten­são aba­far a dimen­são da mesma (dado que, se come­ças­sem a sair mui­tas peças com a mesma assi­na­tura indi­vi­dual, se per­ce­be­ria que não havia mui­tos tra­ba­lha­do­res ao serviço)'.

A direc­tora do jor­nal, Bár­bara Reis, dá outra expli­ca­ção para o recurso a essa moda­li­dade de assi­na­tura de notí­cias. 'A assi­na­tura PÚBLICO' — escreve —, 'usada em dias nor­mais tanto no papel como no online (…), não é uma 'assi­na­tura colec­tiva'. (…) Dá sim­ples­mente a indi­ca­ção ao lei­tor de que o con­teúdo publi­cado — texto, foto­gra­fia, vídeo, dese­nho, grá­fico, etc. — é um ori­gi­nal do PÚBLICO, feito por um pro­fis­si­o­nal do PÚBLICO. Não ‘aba­fou’, não quis ‘aba­far’, nem podia ‘aba­far’ a greve: nesse mesmo dia publi­cá­mos uma notí­cia no site na qual se dava conta da ele­vada ade­são à greve e, no dia seguinte, na edi­ção impressa, essa notí­cia foi publi­cada a duas colu­nas na sec­ção Por­tu­gal e, na con­tra­capa, a Direc­ção Edi­to­rial assi­nou uma nota na qual dizía­mos, na pri­meira linha: ‘ontem, a mai­o­ria dos tra­ba­lha­do­res doPÚBLICO esti­ve­ram em greve’'.

'Os jor­na­lis­tas que fize­ram o jor­nal nesse dia' — pros­se­gue a direc­tora —, 'tive­ram a opção de assi­nar ou não os seus tra­ba­lhos. Em mui­tos casos, quem escre­veu sobre temas sobre os quais habi­tu­al­mente escreve, publi­cou a assi­na­tura. Quem, pelo con­trá­rio, escre­veu sobre áreas que habi­tu­al­mente não cobre, esco­lheu não assi­nar. Mas pela razão oposta à apon­tada pela ex-jornalista do PÚBLICO Sofia Branco: por res­peito para com os cole­gas que, no dia-a-dia, assi­nam sobre esses temas'.

Como recor­dei na minha cró­nica ante­rior, as nor­mas edi­to­ri­ais do PÚBLICO indi­cam que todos os tex­tos publi­ca­dos, à excep­ção de notí­cias de menor dimen­são, devem ser assi­na­dos por quem os redi­giu. São regras que valo­ri­zam a trans­pa­rên­cia e a res­pon­sa­bi­li­za­ção dos auto­res, mas que nem sem­pre são apli­ca­das, como deve­riam ser, na edi­ção on line, onde apa­re­cem com frequên­cia peças subs­cri­tas 'porPÚBLICO'. E essa men­ção é natu­ral­mente lida como uma 'assi­na­tura colec­tiva', no sen­tido em que res­pon­sa­bi­liza o jor­nal no seu con­junto, inde­pen­den­te­mente de na sua ela­bo­ra­ção terem estado envol­vi­dos um ou mais profissionais.

Ao longo do dia 19, o recurso a essa forma des­per­so­na­li­zada de assi­na­tura terá sido ainda mais forte, tendo aliás alas­trado, de um modo que julgo não ter pre­ce­den­tes, a um número sig­ni­fi­ca­tivo de pági­nas da edi­ção em papel do dia seguinte. Sendo óbvio que essa ano­ma­lia resul­tou de uma deci­são espe­cí­fica sobre a ela­bo­ra­ção do jor­nal em dia de greve, parece-me legí­tima a lei­tura de Sofia Branco quanto ao recurso ao ano­ni­mato por parte de alguns redac­to­res. Ainda que o tenham feito pelo motivo apon­tado por Bár­bara Reis, o efeito objec­tivo dessa opção é o que foi apontado.

Dis­cordo, no entanto, da inter­pre­ta­ção de que se pro­cu­rou, com esse pro­ce­di­mento, 'aba­far a dimen­são da greve'. Na ver­dade, como sali­enta a direc­tora , o PÚBLICO deu a esse res­peito infor­ma­ções cla­ras, ime­di­a­tas e devi­da­mente des­ta­ca­das. Não foi escon­dida aos lei­to­res a ade­são gene­ra­li­zada à para­li­sa­ção, nem as cir­cuns­tân­cias em que o jor­nal foi pro­du­zido. E se neste ponto os res­pon­sá­veis edi­to­ri­ais não fize­ram mais do que o que lhes impu­nha a obri­ga­ção de leal­dade para com os lei­to­res, o facto deve ainda assim ser sau­dado, por não cor­res­pon­der, infe­liz­mente, ao que é habi­tual em situ­a­ções semelhantes.”