A guerra entre bandidos e as forças militares do estado de São Paulo já serviu para exibir algumas faces que pareciam ocultas a sociedade brasileira: o esforço ostensivo de uma nata social milionária de manter, isolada em Paraisópolis, uma reserva de mão de obra barata para todo tipo de serviço, inclusive fornecimento de drogas. Paraisópolis é um bairro-favela da zona Sul paulista cercado de condomínios luxuosos e onde moram cerca de 100 mil pessoas; há um relacionamento promíscuo entre a marginalidade e um núcleo de policiais militares.
Cessada a fase de insensatez das autoridades com a troca pública de insultos, o problema de insegurança pública de São Paulo, depois do assassinato de 88 policiais militares de janeiro para cá, começa esta semana a ser encarado como deveria desde o inicio – uma questão de política pública, como saúde e educação.
Contudo, o lado sociológico mais contundente da nova fase de São Paulo não pode ser obscurecido pela crise. A cidade perdeu de vez seu glamour, a possibilidade de melhorar de vida para melhor de milhares de pessoas oriundas de todas as partes do país; a violência também tirou a cidade do roteiro obrigatório de polo turístico internacional – e isso deverá ser confirmado pelas estatísticas futuras do setor.
A megalomania dos políticos
Nos últimos três meses, a questão apenas se acirrou: de um lado, sem mencionar nomes de personagens, veículos de comunicação de São Paulo dizem que os militares passaram a usar de violência contra contraventores. A ser verdade essa queixa, e como o tráfico de droga e armas nas áreas conflagradas já se desenvolve há anos, qualquer observador mais atento percebe que houve uma quebra de acordo entre as partes. Das duas, uma: ou mais parceiros querem participar da partilha do lucro do negócio ilegal ou cresce a insatisfação dos partícipes com os ganhos atuais – gerando-se, daí, um conflito sangrento entre eventuais parceiros.
Os conflitos e a média diária de em torno de 12 homicídios na capital paulista contêm os ingredientes sociais explosivos do Brasil 9ª potência mundial. Na capital mais populosa e rica do país, a segregação social e a disparidade de renda também são as mais altas do mundo. Polo de atração migratória nas décadas de 50, 60 e 70 por simbolizar o sonho de melhoria das condições de vida de qualquer pessoa, especialmente de nordestinos, e tábua de salvação de estrangeiros, São Paulo acabou se transformando no estado mais temido para moradia do país nos últimos meses.
A maioria dos políticos paulistanos, desde Ademar de Barros, preocupou-se mais em ocupar os cargos e explorá-los profissional e politicamente do que em dignificá-los com boas práticas políticas públicas. O eleitor paulista pareceu seguir a megalomania dos seus políticos: adorou a vassoura de um Jânio Quadros, abraçando-se a ela literalmente como símbolo de uma limpeza prometida que não viria. Facilmente anestesiado com o discurso populesco agressivo, nunca vincula a falta de políticas públicas ao enriquecimento brutal de seus políticos, como é o caso da trajetória de Paulo Maluf.
Perguntas sem respostas
Onde fica a mídia paulista?
Durante mais de três décadas, instituições como o Instituto Polis, com um grupo de intelectuais – urbanistas, arquitetos, sociólogos – abnegados, por exemplo, desenvolve um tremendo esforço para a construção e fortalecimento de tecidos sociais que hoje mais do que nunca fazem falta.
As atuais demandas e conflitos dentro de São Paulo levantam algumas questões que carecem de respostas: por que a população não fica claramente ao lado do estado nessa refrega entre bandidos e as forças militares? Por que o estado e o município não estimulam o fortalecimento das organizações da sociedade civil ao invés de massacrá-las e asfixiá-las com burocracia e falta de apoio financeiro? Por que a mídia não abre espaço a experiências que valorizam a autoestima, ao invés de ocultá-las preconceituosamente?
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[Reinaldo Cabral é jornalista e escritor]