Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Orçamento enorme, cobertura pequena

O governo mandou ao Congresso um projeto de orçamento com receita estimada de R$ 1,2 trilhão, equivalente a 24,7% do produto interno bruto (PIB) – admitida como hipótese uma expansão econômica real de 4,5%. A arrecadação projetada é maior que o valor da produção anual da Argentina. Mas congressistas defendem uma projeção maior, para destinar mais R$ 22 bilhões às emendas de parlamentares e a repasses da Lei Kandir, para compensar alegadas perdas estaduais na tributação de exportações.

Uma ampliação de R$ 23,8 bilhões foi aprovada na última semana de outubro pela comissão mista encarregada do projeto. É um dinheirão em jogo, mas, apesar disso, a imprensa dedicou pouquíssimo espaço à tramitação da proposta.

O leitor tem sido mais informado sobre o risco do chamado abismo fiscal nos Estados Unidos, um assunto de interesse internacional, do que sobre as enormes somas previstas para as contas federais de seu país em 2013. Uma rara informação apareceu nos jornais de sexta-feira (2/11).

Função das barreiras

Em parecer preliminar, o relator do projeto, senador Romero Jucá (PMDB-RR), manteve a proposta do Executivo para o reajuste salarial do funcionalismo – de 5% (a previsão é de 15,8% em três anos). Mas também destinou R$ 15 milhões a cada parlamentar para emendas individuais – um bolo de R$ 8,9 bilhões, mas, além disso, também deve haver emendas coletivas. O total deve chegar a R$ 18,4 bilhões.

Estado de S.Paulo e Globo publicaram as matérias mais amplas e apresentaram o assunto em alto de página. A Folha de S. Paulo deu menos destaque. Foi preciso, de toda forma, ler mais de um jornal para encontrar os detalhes relevantes e formar um quadro razoavelmente claro.

Coube à Folha de S. Paulo, em contrapartida, oferecer o algo mais, no mesmo dia, no material sobre o desempenho da indústria em setembro, divulgado na véspera pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O tema foi bem coberto em todos os jornais, mas a Folha acrescentou uma comparação internacional, com base em dados reunidos pela consultoria Economist Intelligence Unit (EIU).

Segundo projeção da EIU, o Brasil deve chegar ao fim do ano com um crescimento industrial acumulado de apenas 1%, o pior resultado numa lista de 26 países emergentes. Em nove desses países a produção da indústria deve aumentar 5% ou mais, neste ano. Aparecem no topo a Estônia (10%), a China (9,1%) e a Letônia (8,45).

A comparação é útil para a discussão do assunto porque mostra uma variedade muito ampla de situações. Alguns países da periferia da Europa – como Estônia, Letônia, Turquia, Polônia e Lituânia – devem fechar o ano com resultados bons ou muito bons, dado o quadro internacional. Outros, muito menos dependentes do mercado europeu, estão estagnados. Faltou avançar um pouco mais no exame dos detalhes.

Ainda no campo das comparações, todos os grandes jornais do Rio e de São Paulo deram algum destaque à discussão sobre o protecionismo brasileiro, explorando informações da Organização Mundial do Comércio (OMC), da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) preparadas para a reunião ministerial de novembro do Grupo dos 20 (G-20). O Brasil aparece nesse levantamento como um dos líderes atuais da criação e da elevação de barreiras.

O governo brasileiro rejeita essa qualificação e tenta descrever suas medidas como atos de legítima defesa. O assunto é complicado, tecnicamente, mas algumas matérias apresentaram, com clareza, a distinção entre atos de defesa (ações antidumping, por exemplo), aumentos de tarifas compatíveis com as regras internacionais e medidas passíveis de contestação na OMC.

Só uma pequena parte do material, no entanto, foi dedicada ao exame de uma questão simples e muito importante: as novas barreiras – mesmo as legais – ajudam a indústria brasileira e se tornar de fato mais competitiva? Uns poucos especialistas foram ouvidos e as respostas, de modo geral, foram negativas. Valeria a pena ter avançado mais nessa questão.

Ativos encalhados

Um dos pontos fortes da cobertura econômica, nas últimas semanas, tem sido o acompanhamento dos temas ligados aos grandes programas de investimentos nos setores de energia e transportes. O foco nessas questões tem exigido uma atenção especial sobre a situação de algumas das maiores empresas nacionais. No último domingo de outubro (28/10) o Estadão mostrou, na matéria de capa do caderno de Economia, as dificuldades da Petrobras para vender ativos avaliados em US$ 14,8 bilhões.

“O dinheiro é fundamental para financiar os investimentos no pré-sal, cada vez mais prioritários para a empresa, em detrimento dos projetos no exterior. O reforço de caixa”, informou a reportagem, “é ainda mais importante porque a Petrobras está perdendo bilhões com a importação de combustíveis e com a queda de produção na Bacia de Campos.”

As dificuldades para desova desses ativos (incluída a refinaria de Pasadena) é mais um capítulo da revisão de políticas iniciada com a posse de Graça Foster na presidência da empresa. Essa revisão, agora explicitada mais nos fatos que nos discursos, ainda vai render muito material.

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[Rolf Kuntz é jornalista]