Abaixo do Equador, vale tudo, não há pecado nem formalidades. Embalado na suposição preconceituosa a respeito dos pobres coitados condenados a nascer e viver no hemisfério meridional, ou como tática para baixar a crista do seu convidado, o presidente Lula mencionou num dos encontros com o seu colega George W. Bush que as conversas para liberalizar o comércio mundial estavam chegando ao ‘ponto G’.
Segundo Fritz Utzeri, médico, jornalista e editor do site Montbläat, o ponto G é ‘uma fantasia de um maluco alemão, Ernest Grafenberg’ e ‘seria um lugar na vagina onde se concentrariam terminações nervosas sensitivas que, quando estimuladas, desencadeariam um orgasmo intenso’.
A metáfora presidencial é simplista, irreal, esquece a seriedade indispensável às negociações diplomáticas e, como se não bastasse, é de um tremendo mau gosto. Discrepa de forma ostensiva de um dos nossos melhores momentos na vitrina mundial.
E a mídia?
Esbaforida e acalorada, obrigada a desdobrar-se numa cobertura intensa, polivalente, que envolvia eventos e esferas tão díspares como a revolução energética, o terrorismo na Tríplice Fronteira e a guerrilha urbana provocada pela visita, nossa mídia ficou com a língua de fora, sem conseguir oferecer ao leitor uma avaliação bem dimensionada do que aconteceu.
Nas edições de sábado (10/3), o relato sem costura dos fatos do dia anterior. Nas edições de domingo (fechadas na sexta e sábado pela manhã, portanto quase concomitantes), apenas o rescaldo factual.
Com os semanários empenhados na corrida para ver quem chega mais cedo na mão dos assinantes, com os telejornais banhados em sangue e assanhados na busca dos ibopes, o cidadão brasileiro está sendo privado da visão de conjunto, alimentado por um picadinho noticioso apenas picante. O tal jornalismo interpretativo, ferramenta indispensável para costurar juízos, esteve presente apenas nas colunas de opinião. Nem todas.
Não apareceu uma história do Próalcool, não se produziu um levantamento das sucessivas crises que ao longo de três décadas produziram tanto ceticismo em torno da nossa real capacidade de produzir uma revolução verde. O etanol irrompeu no noticiário num passe de mágica e logo voltará para as páginas de economia por meio de releases e estatísticas.
Mais uma vez evidenciou-se que pelo menos no Brasil ainda são prematuras as doutrinas sobre o fim do jornalismo impresso e a sua substituição pela internet. Os grandes portais, abastecidos prioritariamente pela mídia convencional, não conseguiram processar o volume de informações e análises nem organizar o acesso ao material já utilizado.
Princípio do prazer
A concentração do noticiário em torno do presidente americano eclipsou todo o resto, inclusive a visita de outro presidente-parceiro, Horst Köhler, da República Federativa da Alemanha. Em sua comitiva estavam alguns dos mais importantes empresários alemães. Um deles, o maior fabricante de lápis do mundo, Anton Wolfgang von Faber-Castell, com grandes interesses no Brasil e que, na mesma semana, ocupava uma página inteira na prestigiosa The Economist (3/3/2007, pág. 73).
Distraídos pelas manifestações antiamericanas (todas orquestradas), nossos jornais só conseguiram dar uma pequena atenção na sexta-feira (9) a uma façanha da justiça de Nova York, que finalmente permitirá aos brasileiros dar nome aos bois e chamar Paulo Maluf de ladrão.
O ponto G do relacionamento da mídia com o seu público deve se situar na esfera do princípio do prazer onde impera a reciprocidade de oferendas e carinhos. Nossa mídia passa a nítida impressão de estar penando para cumprir a sua parte. Está na hora de discutir a relação.