Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Governo Chávez financia novela socialista

O coronelismo midiático instaurado pelo presidente venezuelano Hugo Chávez atingiu seu ápice no dia 29 de outubro de 2012, quando seu governo levou ao ar, pela estatal Televisora Venezolana Social (TVes), o primeiro capítulo da novela Teresa en Tres Estaciones. O roteiro, assinado por Julio César Mármol e Edgar Mejías, narra a história de três mulheres venezuelanas de diferentes idades: María Teresa (48), Cruz Teresa (28) e Ana Teresa (18). Conforme a sinopse, os caminhos das três Teresas se cruzarão nos trens do Sistema Ferroviario de los Valles del Tuy, empreendimento do governo chavista que interliga Caracas à região metropolitana, zona economicamente desfavorecida. Com uma produção de 40 capítulos de 30 minutos, Teresa en Tres Estaciones está sendo transmitida de segunda-feira a sábado, a partir das 21 horas. Em seus sonhos, as três Teresas venezuelanas buscam felicidade afetiva e ascensão profissional, igualando-se aos anseios de qualquer mocinha sofredora de uma telenovela latino-americana. A primeira almeja ser uma famosa cineasta independente; a segunda deseja casar-se com um príncipe encantado; e a terceira quer converter-se em uma famosa cantora regional.

Como não poderia deixar de ser, o financiamento da produção ficou a cargo do Fondo de Responsabilidad Social de Conatel, criado pela Ley de Responsabilidad Social en Radio, Televisión y Medios Electrónicos para incentivar o desenvolvimento da produção audiovisual venezuelana, diga-se de passagem, de interesse chavista. Ainda, o orçamento conta com o respaldo de diversos braços estatais, sinergicamente interligados ao Ministerio del Poder Popular para la Comunicación y la Información (MinCI). Responsável pelo projeto, a produtora Delfina Catalá declarou para a agência de notícias EFE que Teresa en Tres Estaciones custará 17 milhões de bolívares aos venezuelanos (cerca de 4 milhões de dólares).

Conflitos com a mídia

Em analogia, pode-se dizer que Chávez está valendo-se da indústria cultural televisiva para penetrar no âmago da sociedade venezuelana que ainda não aderiu ao seu projeto político-econômico. Considerando o radicalismo de seu governo, a estratégia surpreende, visto que o poder simbólico das narrativas seriadas, de modo geral, pode ser considerado como uma das mais sofisticadas ofensivas em prol da manipulação da informação no país. Resta saber se a audiência da terceira novela politizada produzida pelo governo Chávez corresponderá. As experiências anteriores, Amores de Barrio Adentro (2004) e Caramelo y Chocolate (2008), foram levadas ao ar sem sucesso.

Um dos maiores desafios é a baixa audiência do canal TVes, que registra um rating de 1,5%. Para não repetir erros do passado recente, Teresa en Tres Estaciones foi lançada com ares de superprodução. Parte da estratégia está no star system da produção: além de técnicos advindos de outros canais, o elenco conta com Rosario Prieto, uma consagrada atriz de 70 anos que cresceu aos olhos do povo venezuelano atuando desde seus 17 anos na RCTV. Um personagem foi criado especialmente para a atriz: Prieto interpretará a mãe de uma das incansáveis Teresas.

O coronelismo foi uma espécie de sistema vigente na época da República Velha, cuja principal característica era o poder concentrado nas mãos de um poderoso chefe local, geralmente um grande latifundiário, fazendeiro ou senhor de engenho. Em analogia, no terreno audiovisual, Chávez foi mundialmente percebido como um genuíno “coronel midiático” em 2007, quando decidiu não outorgar a renovação da concessão da Radio Caracas de Televisão (RCTV), protagonizando um episódio que chocou e provocou reações nas classes intelectual e artística latino-americanas. Para os oposicionistas, tal decisão seria um castigo pela participação da RCTV na tentativa de tirar Chávez do poder, em 2002.

Após o ocorrido, o presidente venezuelano intensificou a criação de seu próprio império de comunicação, que hoje inclui a TVes – ocupando a frequência da RCTV – e a rede Telesur. No centro das crescentes investidas de Chávez também estão meios de comunicação pseudoindependentes, mas que são controlados com tirania pelo Estado, como as dezenas de emissoras de rádio e TV comunitárias que foram espalhadas pelo país.

Aos profissionais de TV que se manifestavam publicamente contra o ditador populista, restou contar com a reação da população da Venezuela e da comunidade internacional para manter as operações da RCTV, que hoje é distribuída via TV paga. Para agravar sua situação, a emissoras precisa lidar com as diversas multas impostas pela Conatel (Comissão Nacional de Telecomunicações), pelas razões mais truanescas possíveis. Somam-se, ainda, sanções financeiras contra a operadora de TV paga que administra o canal e processos penais contra seus proprietários. Tais tentativas de manipulação da informação atualmente se refletem em quase todos os meios impressos ou eletrônicos do país. A radicalização do discurso chavista levou ao predomínio de editoriais e análises de aderência política prévia, ou seja, onde o leitor, telespectador ou usuário adere ao meio a partir de suas convicções político-ideológicas.

Socialismo do século 21

A Venezuela é um país petroleiro desde a década de 1920, quando este insumo superou o café e assumiu a liderança entre as exportações do país. O petróleo alavancou a economia do país nos anos 1970 e que também o levou ao colapso financeiro nos anos 1980, com a queda nos preços dos barris. Foi neste momento que, na tentativa de ganhar maior autonomia sob seus recursos naturais, o governo nacionalizou sua indústria petroleira.

Com o desabamento dos preços do petróleo os venezuelanos enfrentaram uma das piores crises de sua história, materializada através do déficit fiscal, fluxo de capital saindo ao exterior, decrescimento do Produto Interno Bruto (PIB), elevação do desemprego e consequente inflação. Em meio ao caos, os governantes venezuelanos associaram-se ao Fundo Monetário Internacional (FMI), e o país passou a ser complacente com as estratégias delineadas pelos organismos financeiros. Instaurou-se uma espécie de descrédito social na capacidade política de seus líderes em administrarem a nação, especialmente os considerados capitalistas ortodoxos.

A política venezuelana volta a chamar a atenção do mundo em 1999, quando foi o primeiro país sul-americano a eleger um candidato declaradamente crítico ao projeto neoliberal. Isso ocorreu, em parte, após uma longa trajetória de crises financeiras e institucionais, seguidas por tentativas frustradas de reestruturação do desenvolvimento nacional. Em síntese, o cenário de perda de legitimidade política e econômica do histórico modelo eleitoral venezuelano favoreceu a escalada política de Hugo Chávez rumo à presidência da República.

Na contrapartida dos considerados capitalistas aos olhos do povo, Chávez propunha reconstruir a nação a partir de alterações substanciais nas bases estruturais do modelo político do Punto Fijo, que controlara os rumos da nação durante quatro décadas (1958-1998). Chávez mostrou sua voracidade política quando, já eleito, lutou contra um golpe de Estado, liderado por Pedro Francisco Carmona Estanga. Respondeu energicamente com um contragolpe, que contou com o apoio de militares legalistas que então o reempossaram.

Apesar do discurso anti-imperialista, Chávez manteve a lógica rentista de acumulação da economia venezuelana, ou seja, explorando com exaustão a renda proveniente da exportação de petróleo. É assim que o governo Chávez tem alimentado pseudomelhorias sociais na Venezuela, impulsionando diversos projetos político-sociais que o tornam popular ante as classes menos favorecidas. No entanto, notadamente trata-se de um projeto radical contra a modernidade e a integração global, que poderá desencadear o isolamento da economia venezuelana do cenário mundial.

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[Andres Kalikoske é professor da Unisinos e doutorando em Comunicação na mesma instituição]