Lost representa um novo formato – fruto da cultura da convergência – que vem se espalhando por vários meios de comunicação. Este fenômeno só foi possível porque o público se transformou e vice versa. Assim como o gato de Schrödinger, afirmar qual foi o desencadeador – se o sujeito contemporâneo ou a mídia – dessa mudança de paradigma tão representativa é algo incerto e equivocado. O que houve foi um encontro de sujeitos dispostos a participarem das produções midiáticas e um novo âmbito do entretenimento disposto a produzir materiais dinâmicos e abertos a experimentações. A série norte americana funciona como uma materialização do encontro do ethos contemporâneo, fragmentando e flutuante com a cultura da convergência que explora diversas caixas pretas.
A convergência faz com que as mídias se renovem e convidem o antes espectador para mudar de papel. Vivenciar um momento de tamanha representabilidade não é assistir a morte do mass media e sim a transformação deste. Cada nova mídia traz consigo um espectro de possibilidades e potencialidades que antes não eram possíveis ou imaginadas. Conforme Jenkins, “O conteúdo pode mudar (como ocorreu quando a televisão substituiu o rádio como meio de contar histórias, deixando o rádio livre para se tornar a principal vitrine do rock and roll), seu público pode mudar (como ocorre quando as histórias em quadrinhos saem de voga, nos anos 1950, para entrar num nicho, hoje), e seu status social pode subir ou cair (como ocorre quando o teatro se desloca de um formato popular para um formato de elite), mas uma vez que o meio se estabelece as satisfazer alguma demanda humana essencial, ele continua a funcionar dentro de um sistema maior de opções de comunicação”.
Emissor e receptor se fundem
Lost foiproduzida e pensada para um indivíduo inconstante, que se afoga em informações, que consegue se comunicar instantaneamente com outros sujeitos. Lost é uma obra de seu tempo, reflete os conflitos de indivíduos de seu tempo, por isso, ela é compreendida, aceita e aclamada na contemporaneidade. Dificilmente, ela seria esse fenômeno midiático se tivesse sido produzida na década de 50 ou até mesmo nos anos 80 e 90 do século 20. Não é uma questão de produção ou técnica, e sim conceitual, pois ela está imbuída da ideologia reinante na contemporaneidade. As histórias nos moldam, Lost é uma história construída para o sujeito contemporâneo e refletem simultaneamente nosso ethos que quer se ver, compreender e se reinventar independente da plataforma.
Como afirmaRobertaPearson em Readinf Lost, “Como jogos e histórias são ensaios para a vida, criamos um mundo em microcosmo, uma realidade alternativa, um mundo que desejamos ou tememos que fosse verdadeiro. E, em seguida, mergulhamos nele. Isso nunca muda muito. Mas nossa capacidade de entregar esse impulso cresce a cada novo meio, e com ele, os riscos por estarmos inseridos no processo” (livre tradução da autora). Assim, pode-se afirmar que as narrativas contemporâneas também cumprem seu papel de regulador social ou até mesmo de uma possibilidade de simular ações e atitudes impossíveis na vida real. Esse mecanismo pode tanto auxiliar esse sujeito a elaborar seus dramas existenciais ao vê-los sendo desenrolados por outras personas, como também, pode se assujeitar face à avalanche de informações e modelos de comportamento.
Discutir a convergência em plena convergência é algo complexo, pois, por ser um processo, os conceitos estão se modificando rapidamente. Em contrapartida analisá-lo se torna algo mais dinâmico quando se está vivenciando-o. A convergência dos meios nos coloca na rota de colisão, por isso é tão relevante estudarmos um fenômeno do qual somos participantes ativos e que, de uma maneira tão inédita, integramos. Porém, entre tantas possibilidades e caminhos para este fenômeno, o que mais se materializa é a inversão da estrutura comunicacional, em que emissor e receptor se fundem.
Emaranhado de identidades
A indústria cultural contemporânea percebeu esse fenômeno e tratou de incentivar a participação do sujeito em diversos produtos midiáticos, para que esse integre e se sinta coautor ou coprodutor. As séries de TV, por serem um produto popular, seriado, com um tempo mais elástico, permitem experimentações, por isso se tornaram propulsoras para a revolução nesse segmento. Porém, ressalta-se que o esteio de qualquer obra é sempre a narrativa, pois o ser humano, independente de suas preferências, deseja ou ouvi-las e ou contá-las.
O sujeito seja ele do Iluminismo, Sociológico, Moderno ou Contemporâneo parte da mesma necessidade de se expressar e de contar histórias que reflitam seus desejos, medos e angustias. Desde a Antiguidade, o Homem usa plataformas e meios para expressar sua visão do mundo aos outros sujeitos. A Convergência Midiática só recria o mesmo ambiente, o mesmo anseio de contar e ouvir histórias, porém, diante de outro âmbito social. Composto por indivíduos que estão em plena crise de identidade, em que o ethos flutua por modelos instantâneos e passageiros criados por uma Terceira Cultura dominante que, ao mesmo tempo serve de espelho, também engessa atitudes e comportamentos. Sujeito esse que tem o poder de implodir espaço-tempo, quebrar barreiras territoriais e geográficas e vivenciar – mesmo que ilusoriamente – culturas distantes.
Lost é a síntesedesse fenômeno contemporâneo porque ele é um microcosmo desse cenário em que o ethos simula e ou vivencia outras experiências devido às ferramentas provenientes da configuração das novas tecnologias. A contemporaneidade deste cenário é a convergência de meios e a maneira como o ethos interage com essas histórias. Assim, o sujeito contemporâneo tem a possibilidade de se ressignificar infinitamente, o que pode tanto o auxiliar a compreender determinadas situações quanto se perder nesse emaranhado de identidades.
Referências
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2ª ed. São Paulo: ALEPH, 2008.
PEARSON, Robert. Readinf Lost – Perspectives on a hit television show. 2009, London, I.B Taubis
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[Daiana Sigiliano é jornalista]