No excelente programa do Observatório da Imprensa na TV (6/11) dedicado à crise dos impressos, Alberto Dines, Luiz Fernando Gomes, Marion Strecker e Pedro Doria reconduziram o debate aos eixos.
Em primeiro lugar, como escreveu Doria no Globo, a crise dos jornais e revistas é mais intensa onde são mais devastadores os efeitos da crise econômica global. Ou melhor: onde e quando. Em 2008 e 2009, o fechamento de jornais e revistas nos Estados Unidos foi mais acelerado não só do que em anos anteriores como também do que em anos posteriores, quando já se tomavam medidas para minorar os efeitos da grande lambança financeira.
A causação é mais ou menos óbvia (não existe nada totalmente óbvio; se existisse, a categoria “óbvio” não teria nem sido inventada): empresas em dificuldade, retração de publicidade. Mais precisamente: concentração das verbas em mídias convencionalmente consideradas eficazes.
À espera do freguês
Gomes lembrou: jornais vendiam aos anunciantes centímetros, não soluções. Pior: nem vendiam. Ficavam esperando os anúncios chegarem ao balcão (literalmente).
Marion chamou a atenção para o conservadorismo dos patrões, que procuram sempre fazer negócios sem correr riscos. Isso puxa todo o processo para baixo, diminui o ritmo das inovações (enquanto a sociedade não para de mudar). Ela criou uma expressão muito feliz, que Dines rapidamente valorizou: crise dos patrões.
Um enigma que mereceria investigação sistemática: por que é tão raro o surgimento de novos grupos de jornalismo impresso? Uma das pistas pode ser a natureza intrínseca e explicitamente política dos jornais. Os empresários preferem lidar com o poder de modo oblíquo.
De que crise estamos falando?
Façamos o ponto: está havendo confusão entre diferentes crises e muitos não estão sabendo separar as coisas. Não se diz por aí que o pensamento é movido pela emoção?
Muito fechamento de jornal e revista é determinado simplesmente pela incompetência dos gestores (aí incluídos jornalistas prepostos dos donos); por conflitos familiares; por perseguição política e asfixia (Última Hora, Correio da Manhã); porque donos se apropriam privadamente do dinheiro das empresas, ou exigem que suas mordomias saiam do mesmo caixa que paga jornalistas, gráficos, etc.; porque algumas empresas, em épocas de vacas gordas, resolvem construir sedes suntuosas (já repararam que o Globo e a Folha de S.Paulo não saíram do Centro de São Paulo e do Rio, onde estão há décadas, e fazem gradualmente os necessários retrofits para adaptar os velhos prédios às mudanças tecnológicas?).
Veja-se o caso da demissão em massa de jornalistas nos Estados Unidos. No Brasil, o fenômeno é anterior e de cabeça para baixo. Não ocorre porque muitos impressos fecharam, mas porque existe superprodução de diplomados em jornalismo, como houve, nesta mesma terrinha, superprodução de café. A supremacia da elite cafeeira foi liquidada pela crise da Bolsa de 1929, motor econômico da Revolução de 1930.
O Brasil, desde a instituição do diploma obrigatório e da consequente proliferação de escolas de comunicação (bom negócio), despeja desempregados no mercado. Eles são absorvidos em tarefas que não têm nada a ver com jornalismo. Frequentemente, são antijornalísticas, para falar português claro.
Palavra escrita, impressa ou não
A nova fronteira do jornalismo, o meio digital, começou com pouquíssima receita publicitária e, por isso, com redações quantitativa e qualitativamente fracas.
Doria fez a correta defesa das redações, seja qual for o suporte da palavra escrita. Não existe jornalismo sem redação (a exceção brasileira é o Jornal Pessoal de Lúcio Flávio Pinto, onde a redação é o cérebro do autor).
Cabe notar que o objeto do debate não é propriamente o papel, é a palavra escrita. A palavra escrita é muito mais antiga do que o papel. Ela se distingue da palavra falada, que a precedeu e impera no rádio e na televisão. A televisão, como avisou Dines em 1968, foi o primeiro grande desafio que os jornais enfrentaram.
O preço da interatividade
Gomes colocou pingos nos is em relação ao fechamento do Jornal da Tarde: o vespertino madrugador vivia há muito tempo uma crise de identidade. Marion resumiu: fechou porque estava no vermelho. O grupo Estado está em crise há anos. Preferiu sacrificar o jornal menos relevante (Marion disse caçula, mas a decisão poderia ser outra se o caçula desse dinheiro e o primogênito, prejuízo).
Todos lembraram o contraste entre o potencial e as limitações concretas do jornalismo online. Uma das dificuldades ainda longe de solução é que o online supõe a interação entre leitores e redações. Desde o primeiro número, este Observatório da Imprensa permite e estimula a participação do leitor. Mas o Observatório nasceu para fazer isso, seu público é pequeno em comparação com o dos grandes jornais e revistas, e o Projor, entidade mantenedora, não tem finalidade lucrativa.
A verdade é que a famosa interatividade não é função de softwares, é tarefa de pessoas muito qualificadas, e isso custa caro. Fora disso, o que há é um besteirol medonho, que espanta mais do que atrai, há manipulação partidária, há Big Brother Brasil: voyeurismo, fofoca, infantilidade. Seria isso a interatividade?
In memoriam
Para concluir, uma breve lista de meios de comunicação importantes que desapareceram antes ou independentemente do advento da internet: TV Tupi, O Jornal, Diário Carioca, Diário de Notícias, Senhor, Realidade, Correio da Manhã, Última Hora, Correio do Povo, TV Excelsior, TV Manchete, Manchete, Fatos & Fotos, O Cruzeiro, A Província do Pará, Diário do Paraná, Estado da Bahia, Diário da Tarde, O Norte, Folha da Tarde,Gazeta Mercantil, Jornal do Brasil, Tribuna da Imprensa e Jornal da Tarde.