Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

“O recém-formado em jornalismo deve saber empreender”

Em todo o mundo, pressionados pelas crises econômicas que afetam o mercado de notícias e a constante evolução tecnológica, diversos veículos de comunicação estão discutindo novas formas de reinventar seus negócios e crescer nas diferentes plataformas disponíveis. Para Marcelo Rech, diretor de redação dos jornais do Grupo RBS, as companhias devem investir em mais de um canal de receita. “As empresas estão buscando outras fontes de lucro que ajudem a complementar orçamentos e compensar as perdas decorrentes da dispersão de público em algumas áreas.”

Nesse contexto, para Rech, os jornalistas recém-formados devem ser bons empreendedores e procurar uma formação além da tradicional. Segundo ele, é preciso enxergar oportunidades e saber executá-las. “O desafio é trazer esses jovens para as empresas e dar espaço para que possam implementar novos negócios digitais dentro das organizações. Ao mesmo tempo, a companhia deve proporcionar um ambiente acolhedor potencializando essas ideias.”

Em entrevista concedida ao Nós da Comunicação, Rech também falou sobre a experiência do jornal gaúcho Zero Hora com o modelo de paywall e o papel dos veículos de notícias da atualidade. Sua entrevista:

Um dos temas em pauta no mercado de jornalismo é a questão da sustentabilidade do negócio. Quais seriam as saídas para o sucesso dos diferentes veículos de comunicação?

Marcelo Rech – Não existe uma só saída. Antigamente, os jornais tinham um modelo financeiro baseado em três pilares: circulação, publicidade e classificados. Hoje, o modelo é sustentado por muitos alicerces. As empresas estão buscando outras fontes de lucro que ajudem a complementar orçamentos e compensar as perdas decorrentes da dispersão de público em algumas áreas.

Quando falamos de circulação digital, de venda de assinaturas digitais, isso é, em parte, uma forma de compensar a queda das vendas do impresso. Da mesma forma acontece quando lançamos os classificados digitais. Uma outra maneira de obter receita, por exemplo, é oferecer serviços gráficos para terceiros. Vimos a transformação do negócio de comunicação ao longo dos últimos anos e, dependendo do veículo, até as práticas de crowdfunding podem ser utilizadas. É importante ressaltar que, no futuro, não será apenas um canal de receita capaz de sustentar o negócio, mas uma combinação deles.

As plataformas de divulgação de notícias estão cada vez mais integradas. De que forma Zero Horaestá se preparando para esse cenário? Como essa integração afeta o modo de trabalhar dos jornalistas?

M.R. – De maneira geral, os oito jornais do Grupo RBS já estão trabalhando com isso. A questão da convergência de mídias e a complementaridade de plataformas é algo integrado à nossa cultura. Transferir isso para as redações foi quase um ato natural. Não foi um processo muito complexo.

Em relação ao mercado, houve duas mudanças. As redações passaram a pensar em duas velocidades simultaneamente: a da notícia factual para o on-line e a da produção mais interpretativa do conteúdo trabalhado para o impresso. O mesmo jornalista tem de pensar nesses dois aspectos: o da instantaneidade e como interpretará esses fatos para a edição de amanhã.

Outra atividade diária é publicar no ambiente digital as reportagens que foram publicadas primeiramente no veículo impresso. Vai ser cada vez menos visível a fronteira entre as plataformas.

O modelo de paywall, que já foi adotado por jornais como The New York Timese pela Folha de S. Paulo, também já está em vigor no Zero Hora. Como está sendo a experiência?

M.R. – Atualmente, após a visualização de 30 matérias em um mês, o internauta deve pagar para ver outros conteúdos. Deve-se optar por algum dos modelos de assinatura do jornal. Nossa estratégia principal é estimular uma relação integral do leitor com o veículo, seja no papel, tablet, smartphone ou computador. A opção pela modalidade completa inclui todas as plataformas, sete dias por semana, sem qualquer restrição. Mais do que estimular uma substituição do papel para o digital, queremos promover essa relação integrada. Cobrar pelo conteúdo digital é mais uma das formas de obtenção de novas receitas. Vários veículos de comunicação estão buscando fontes alternativas com base em suas experiências e capacidade de produção.

Você falou em soluções para terceiros. Em que consiste esses modelos?

M.R. – Desenvolvemos plataformas de sistemas editoriais e aplicativos. Temos grande atuação no Campus Tecnológico da PUC de Porto Alegre, o Tecnopuc, onde uma equipe da RBS está presente. Transferimos para lá o desenvolvimento de nossos veículos impressos e de rádio. Temos uma sala de pesquisas sobre usabilidade que também é alugada para terceiros. Essas são apenas algumas fontes de receitas.

Qual o papel de um veículo de comunicação no processo de curadoria da história da sociedade? Nesse sentido, o Grupo RBS tem algum projeto para seus veículos de comunicação?

M.R. – Acho que essa é a chave do nosso papel. Muito mais do que simplesmente transcrever os fatos do dia anterior – e isso está perdendo seu valor – nossos jornais passaram por um processo de curadoria em todas as plataformas. Na prática, 90% do nosso tempo é gasto para dispensar e processar informação. Em uma sociedade de overdose informativa, o grande valor do jornalismo é poder hierarquizar, selecionar e interpretar tendências. Devemos encontrar respostas e fazer, sobretudo, o que chamo de 'Certificação ISO da informação'. Nosso papel é fazer também a verificação dos conteúdos que são e não são verdadeiros.

Um exemplo aconteceu recentemente durante a campanha eleitoral deste ano em Porto Alegre. Após uma chuva pesada que atingiu a capital gaúcha, começou a circular nas redes sociais a foto de uma avenida da cidade completamente alagada. A imagem trazia uma mensagem criticando a administração municipal. Em pouco tempo a fotografia se espalhou pelas redes. A verdade é que, mesmo com as chuvas, aquele local não sofreu alagamentos.

O jornal apurou os fatos e comprovou que a foto tinha sido registrada há dez anos. De uma maneira simplificada, é isso que fazemos o tempo todo, certificar a veracidade da informação. Como jornalistas, nosso dever é fazer a curadoria da realidade, se valendo de técnicas profissionais. Isso significa ter ética, qualidade, atratividade, utilizando elementos de design e estilos jornalísticos, de modo que seja fiel e atraente para os leitores e espectadores. Acredito que o papel das empresas de comunicação terá cada vez mais valor com o tempo. É ser uma ilha de credibilidade que sobressai no oceano de informação, muitas vezes inúteis.

Já começamos a identificar usuários das redes sociais que estão ficando sobrecarregados com excesso de informação. O compartilhamento é algo fantástico. Entretanto, quando realizado de forma excessiva, leva a um alto nível de ansiedade informativa. É uma questão de dosagem adequada.

Quais características são as mais esperadas pelo mercado de trabalho em relação aos recém-graduados das faculdades de jornalismo?

M.R. – Acredito que a principal característica seja a capacidade de empreender. Não basta ser um bom jornalista no modelo tradicional. É preciso enxergar oportunidades e saber executá-las. Vejamos os tablets, por exemplo. Há uma vasta quantidade de conteúdos para a plataforma. Você pode reempacotar algo que já foi publicado e gerar novas publicações a um custo relativamente baixo. Podemos publicar as 50 melhores crônicas do ano, ou mesmo fazer uma edição especial com reportagens do mês. O que você imaginar pode ser reorganizado e apresentado em um novo formato, proporcionando acesso a pessoas que, geograficamente, não leram essas notícias ou reportagens. Para isso é preciso caráter empreendedor. O profissional deve ter iniciativa para identificar novas oportunidades e levar isso à frente. Não existe espaço para acomodação.

O empreendedorismo está crescendo, mas ainda não temos um histórico extenso na área de comunicação. Já vemos muitos jovens abrindo startups e procurando financiamento para seus projetos. Todo mundo sonha criar o próximo Instagram e faturar rapidamente milhões de dólares, mesmo que não haja espaço para isso. O desafio é trazer esses jovens para as empresas e dar espaço para que possam implementar novos negócios digitais dentro das organizações. Ao mesmo tempo, a companhia deve proporcionar um ambiente acolhedor, potencializando essas ideias.

Infelizmente, o jornalista ainda é muito centrado na formação tradicional de escrever matérias, elaborar entrevistas, realizar coberturas. Isso é bacana. É a base da atividade, mas é preciso enxergar mais longe, não só o modelo do negócio, mas também o exercício diário da profissão, experimentando novas linguagens etc. Esse é o profissional que terá mais espaço no mercado nos próximos anos.

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[André Bürger, do Nós da Comunicação]