Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Microfone engajado

Nesta segunda-feira (26/11) multidões cariocas e de outras cidades fluminenses acorrem ao chamado estampado em proporções gigantescas em fachadas de prédios, entradas de túneis e outros pontos, com um erro grotesco de pontuação: “Contra uma injustiça em defesa do Rio”. De que se trata? A população convocada sabe-o devido ao bombardeio “informativo” que explica, especialmente pelo rádio: defender a parcela que o Rio de Janeiro detém na repartição dos royalties do petróleo.

Na véspera, pouco depois das onze da manhã, ouvia-se na Rádio Tupi, de expressiva audiência, o “comunicador” Haroldo (de Andrade) Filho exortar os ouvintes a comparecer ao ato político programado para a Candelária, com palanque montado em frente à Câmara de Vereadores, no coração do que já foi um dia a Brizolândia, e, bem antes, a Cinelândia: já se sabe que as avenidas Presidente Vargas e Rio Branco serão fechadas.

Direito trabalhista

Haroldo Filho pergunta — afirmando — a um cidadão que chama de doutor fulano: o senhor vai, não é, doutor? E o gajo diz, compenetrado: Sou funcionário público. Como foi decretado ponto facultativo, estarei lá. O “comunicador”: Muito bem, claro. E a senhora, doutora beltrana? Eu, não, meu caro. Como você sabe, trabalho na empresa privada e não posso faltar. Se ainda fosse dia de atender no meu consultório, eu adiaria as consultas e estaria lá.

Mas doutora, e uma doação de sangue? A senhora pode faltar para doar sangue. É um direito trabalhista, insiste o “comunicador”, sem obter resposta.

E assim segue a programação. Exortações radiofônicas, ponto facultativo. Deixemos de lado o mérito da questão e fiquemos nos métodos. São mesmo democráticos? E a mídia? Qual é seu grau de independência? Sugere-se conferir a cobertura jornalística do ato durante seu transcurso, nos noticiários noturnos e nos jornais do dia seguinte.

O inesquecível PRI

Os métodos fazem lembrar um episódio vivido na Cidade do México por meu amigo Paulão, o engenheiro Paulo Roberto de Souza Carvalho. Passava pela rua e viu o anúncio de uma manifestação convocada pelo PRI, o Partido Revolucionário Institucional, ainda firmemente alojado no poder (corria o ano de 1976).

Era dentro de um teatro no qual entravam centenas de pessoas, algumas das quais desembarcadas de ônibus que lembraram ao Paulão o transporte de eleitores nas eleições brasileiras. Curioso, entrou. Ouviu meia dúzia de discursos com a retórica esplêndida que os mexicanos treinados usam nos discursos.

Conversa daqui, conversa dali, constatou que havia no recinto muitos funcionários públicos. Haviam sido levados de ônibus diretamente das repartições (isso é mais seguro do que decretar ponto facultativo; quem sabe a lição lhe aproveite, governador Sérgio Cabral Filho?).

A horas tantas, Paulão, tarimbado em assembleias estudantis, cansou-se da arenga. Pensou: Está bem. Já vi como é um comício do PRI, fiz o meu registro histórico. Vou para casa. E dirigiu-se à parte de trás do teatro, por onde havia entrado. Descobriu então que as portas estavam barradas por troncudos seguranças do partido.

Quero sair. Não, senhor. Ninguém sai enquanto não acabar. Paulão achou melhor ficar até o final.

Assim o PRI, naqueles anos de ainda incontestada hegemonia federal, garantia o sucesso de seus meetings.

E a pontuação?

Ah, sim, atento e desatento leitor. Qual é o erro de pontuação?

Faltou uma vírgula entre “injustiça” e “em defesa”. Pode-se ter certeza de que Cabral Filho e aliados não convocariam manifestação contra uma “injustiça em defesa” de alguma causa que julgassem relevante.