Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O pensamento comunicacional latino-americano

A Economia Política da Comunicação (EPC) latino-americana se dedica a compreender as relações e implicações entre desenvolvimento e subdesenvolvimento, observando as trocas desiguais que acontecem na economia mundial. Hegemonia e contra-hegemonia estão entre os pontos atuais da discussão na região, uma vez que os trabalhos afiliados à EPC latina dedicam-se a uma variada observação das relações entre o crescimento dos conglomerados de comunicação e o mundo do trabalho, a democratização na cultura, as políticas e tecnologias de comunicação e a atualização dos debates teóricos que envolvem essas variáveis.

A preocupação maior dos economistas políticos da comunicação na América Latina tem sido a compreensão crítica das relações entre os movimentos do capital transnacional e as indústrias culturais e das mídias na sociedade contemporânea, observando tanto suas causas quanto consequências, por conceber os fenômenos comunicacionais e midiáticos como intensa e irrevogavelmente presentes na vida contemporânea. Ao mesmo tempo, deseja oferecer uma visão de conjunto das relações que permeiam o social em sua região, observando os poderes políticos e econômicos, suas raízes históricas, os processos de produção e reprodução numa conjuntura específica. A visão crítica é devedora das teorias marxistas e não cessa sua fonte de pesquisa, pois as relações contemporâneas entre as nações capitalistas (e socialistas também) carecem de novas definições, a começar pela compreensão do termo desenvolvimento.

Institucionalização, lutas e conquistas

O segundo ponto de análise envolve a comunicação e as indústrias culturais como elementos estruturantes do modo de produção capitalista. Seus pesquisadores consideram a comunicação e a cultura como partes inseparáveis da base produtiva que sustenta o capitalismo avançado, a informação e a comunicação são campos elementares de acumulação. Desta forma, a análise da cultura e das políticas culturais não pode prescindir da economia política – as indústrias culturais se tornaram nevrálgicas na vida econômica e social do planeta. Aliadas à informática, telecomunicações e seus correlatos, concretizando-se em projetos nacionais globalmente articulados, as indústrias culturais são consideradas como uma das protagonistas do projeto de expansão do crescimento do sistema capitalista informacional.

Não obstante, um terceiro ponto deve ser posto em contraste ao anterior, considerando as participações do Estado e do mercado nestes cenários. A partir da década de 1970, o modelo do Estado do Bem-Estar começa a ser questionado como forma de condução das nações. O discurso oficioso acerca das diretrizes políticas e econômicas mundiais entende que a função do Estado é sustentar, assegurar e incentivar a participação e competitividade dos agentes nacionais no mercado global, entendendo a si mesmo como player neste cenário – usando um jargão típico do espírito corporativo.

No âmbito institucional, a EPC ganha fôlego e contornos próprios na América Latina a partir dos anos 1980, com a organização do Relatório MacBride. Trata-se do documento basal sobre as políticas de comunicação, aprovado unanimemente pela Assembleia da Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e amplamente reconhecido como um avanço ao que tange a democratização dos sistemas de comunicação social. Porém, o impulso inicia-se na década anterior, a partir das propostas da Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação (Nomic), um projeto internacional de reorganização dos fluxos globais de informação, liderado pela Organização das Nações Unidas para a Unesco. Ainda que a égide do legado marxista seja sua matriz estrutural, pode-se afirmar que a EPC desenvolveu tradição própria conforme a região de atuação de seus pesquisadores (norte-americana, europeia e latino-americana).

Caminhos brasileiros

Os norte-americanos, pioneiros em denunciar a relação existente entre o Estado, os meios de comunicação e as corporações industriais, então fortemente ligadas aos interesses econômicos, rapidamente estagnaram suas análises, direcionando-as para as chamadas “pesquisas administrativas”. Já os estudos europeus priorizaram a análise crítica das relações entre a produção material e a simbólica, enfatizando os meios como entidades econômicas cujo objetivo era criar mais valia direta, através da venda de mercadoria-programa, ou indireta, através da publicidade das outras áreas de produção. No continente latino-americano, a EPC também se voltou aos processos de trabalho, valorização dos produtos culturais e revisão dos conceitos que inspiraram os estudos, pretendendo, assim, evitar visões que reduzissem as análises dos meios a interpretações mecânicas sobre seus impactos na sociedade.

O marco inaugural da EPC no Brasil foi o livro Mercado brasileiro de televisão, onde César Bolaño parte de uma abordagem histórico-econômica da TV aberta brasileira para alocar a questão das barreiras à entrada ao centro de sua análise, desenvolvendo a formação do oligopólio nesse mercado. Não obstante, cabe destacar que, entre os anos 70 e 80, diversas questões acerca das determinações econômicas comunicacionais têm sido abordadas, com vigor e pertinência. César Bolãno propõe mais tarde, emIndústria cultural, informação e capitalismo, o conceito de acumulação primitiva do conhecimento, estabelecendo nexos entre o sistema capitalista, o conceito habermaseano de esfera pública e a teoria marxista do valor, através de uma árdua discussão teórica.

Publicado em 2000, este segundo livro traz uma sofisticada discussão teórica, oferecendo um modelo de análise das diversas mídias no capitalismo. Uma das preocupações centrais de Bolaño foi clarificar o que denomina padrão tecno-estético. Conforme o autor, o padrão tecno-estético funcionaria como interface entre barreiras à entrada de novos players e poder simbólico, sendo um elemento potencialmente responsável pela fidelização da audiência, que posteriormente é transacionada ao mercado publicitário.

Os anos 1990 estiveram marcados pela elevação das intervenções comunicacionais, que em grande parte são mediadas por dispositivos tecnológicos. Em direção aos mercados internos ou externos, as indústrias culturais passam a expandir-se, procedendo a alianças, promovendo economias, realizando sinergias capazes de aumentar a rentabilidade de seus produtos e, assim, encontrando novos espaços. Para o consumidor, a oferta de programação eleva-se consideravelmente. Assim, Valério Cruz Brittos observa, em diversos estudos, que o trânsitoinformativo nesta década apresenta-se como uma externalidade benéfica às corporações, umavez que há a redução de custos de transação, ampliação da oferta e elevação do retorno doconsumidor aos produtores, estimulando a quantidade de oferta disponibilizada.

É o período em que capitais de ramos industriais tradicionais e financeiros passam cada vez mais a investir em negócios midiáticos, perseguindo resultados rápidos, nem sempre concretizados. Conforme denominado por Brittos, a chamada Fase da Multiplicidade da Oferta surge fomentada por este ambiente, a partir de 1995. Pode ser compreendida como o fenômeno caracterizado pela ampliação substancial do número de opções comunicacionais, concebendo-se este tempo histórico como demarcativo da comunicação no seu conjunto, com todos os setores disputando a atenção do consumidor.

***

[Roger Bundt e Andres Kalikoske são professores de Comunicação na Unisinos]