O primeiro-ministro britânico David Cameron enfrentará um dos mais difíceis desafios políticos de seu mandato esta semana, quando terá 24 horas para dar uma resposta ao relatório Leveson sobre práticas jornalísticas inadequadas, consciente do risco de uma discórdia maciça por parte de seus aliados políticos na mídia caso apoie propostas para uma regulação estatutária da imprensa. Ele vem sendo pressionado por seus aliados conservadores a considerar uma “terceira via”, que consistiria em dizer às organizações jornalísticas que estas têm um período limitado de tempo para se juntarem a um novo sistema de autorregulação ou enfrentarem a ameaça de uma regulação direta, possivelmente por meio do órgão regulador de mídia britânica, o Ofcom (Office of Communications).
A vantagem dessa opção é que ela poderia ser vista como uma alavanca para garantir a cooperação dos principais jornais britânicos com uma forma mais rigorosa de autorregulação – ou enfrentar consequências bastante desagradáveis. Uma abordagem alternativa para o primeiro-ministro consistiria em passar a questão para o comitê de mídia, mas isso correria o risco de ser visto como uma medida para adiar descaradamente o assunto. Cameron ainda não conhece o relatório do juiz Brian Leveson, que será publicado na quinta-feira (29/11).
Porém, com base nas observações feitas por outros ministros, como Michael Gove, será impossível para os conservadores conseguirem um acordo com o vice-primeiro-ministro Nick Clegg, que apoia algum tipo de controle estatutário da mídia. Discussões informais intensas vêm ocorrendo entre políticos e personalidades da mídia britânica há várias semanas. O conselho do primeiro-ministro à indústria jornalística não é o de adotar um discurso agressivo, mas reconhecer que aconteceram sérios erros e malefícios.
Ed Miliband, líder do Partido Trabalhista, da oposição, comprometeu-se a apoiar as propostas de Leveson, desde que sejam proporcionais, e quer se manter firme ao princípio da regulação pelo estatuto, mas ao mesmo tempo procura um tipo de acordo multipartidário. Isso se tornou mais possível com o surgimento de um grupo de deputados conservadores – de 50 a 70 parlamentares – que querem uma reforma radical da regulação da mídia. Evan Harris, um ex-liberal democrata, disse: “Se não é possível uma posição [unificada] do governo sobre o assunto, talvez haja uma posição parlamentar. Qualquer pessoa pode fazer um cálculo matemático e saber quem sairá ganhando”.
O Partido Trabalhista não se sente inclinado em levar o tema logo à votação na Câmara dos Comuns e planeja fazer um debate sobre o assunto. Os conservadores envolvidos no movimento de apoio a uma regulação mais rigorosa enfatizam que não aceitam a forma de autorregulação proposta pela indústria e liderada por Lorde Black e Lorde Hunt. Um conservador disse que o financiamento pela indústria deveria ser substituído por um sistema de taxas, estabelecido pelo estatuto. “Isso frearia a regulação estatutária, porém retira o valor de resgate que um sistema de contratos voluntários confere à indústria para além do regulador.”
Este conservador disse, ainda, que seria necessário acabar com o poder que o financiamento pela indústria tem de demitir o presidente do conselho curador e o veto a que tem direito na nomeação do presidente e dos curadores. Também propôs que não participassem do novo órgão editores ou executivos na ativa, argumentando que há muitos ex-editores e jornalistas com experiência para desempenhar o cargo bem e de maneira independente.
O The Media Standards Trust, organização independente e sem fins lucrativos que visa à promoção da transparência jornalística, publicou uma análise de 22 páginas alegando que o plano apoiado por Black e Hunt é suborçamentado, não independente e permitiria que organizações de mídia optem por ficar fora do contrato. Sob a proposta de Black e Hunt, o novo órgão, que substituiria a Comissão para Reclamações de Imprensa (PCC, na sigla em inglês), teria poderes para realizar investigações e aplicar multas de até 1 milhão de libras (em torno de 3,3 milhões de reais).
A favor de um sistema não estatutário
O ex-ministro das Relações Exteriores, David Blunkett, pediu que o governo avalie um sistema não estatutário de regulação da imprensa. Blunkett torna-se uma das mais importantes personalidades do Partido Trabalhista a recomendar a Cameron que adote uma abordagem cautelosa ao responder ao relatório Leveson.
Com um discurso que sugere que a resposta ao inquérito não terá um tom partidário, Blunkett disse à Rádio BBC: “Acho que todos queremos uma transformação completa daquilo que hoje é a Comissão para Reclamações de Imprensa (PCC), de forma que possa fornecer compensação. Eu gostaria que não fosse apenas um órgão mediador, mas capaz de opinar quando uma publicação particular agir de forma errada e eu gostaria de uma compensação adequada. Acho que temos um longo caminho pela frente, a partir do anúncio do relatório, para persuadir a mídia, os jornais impressos, a aceitar algo muito mais rigoroso daquilo que está na mesa. Se o conseguirmos, não teremos necessidade de definições estatutárias ou exigências. Não acho que devamos estar em dois campos. No momento, há um problema terrível com parte dos jornais impressos atacando pessoas que não concordam com eles e há um problema semelhante do lado oposto: se você não for favorável à regulação estatutária, você é um bobo manipulado pela mídia. Não faço parte de nenhum desses grupos”.
“Circo de celebridades”
O deputado trabalhista teve sua vida particular exposta por tabloides e foi obrigado a renunciar após responder, supostamente de forma incompleta, a perguntas sobre seus rendimentos. “Eu sofri, mas isso não significa, olhando para a coisa retrospectivamente, que eu queira mudar”, disse. “Temos que usar todos os poderes que temos à disposição, e não procurar imediatamente pela legislação para usá-los.”
Graham Foulkes, pai de uma das vítimas das bombas colocadas na estação de metrô de Edgware Road, em 7/7/2005, disse, na sexta-feira (23/11) à noite, que o inquérito foi sequestrado por um “circo de celebridades” e perdeu seu valor e seu foco. Ele foi informado pela polícia, no ano passado, que seus telefones haviam sido grampeados por um investigador que trabalhava para o News of the World. Também criticou os políticos que, segundo ele, usaram o inquérito como oportunidade para “controlar a mídia e moldá-la do jeito que quiserem”. Embora inicialmente tenha tido esperanças com o inquérito, ele disse ao telejornal Newsnight, da BBC: “Houve meses em que não foi sobre o inquérito, foi sobre celebridades e quais celebridades fizeram ou não fizeram o quê, de maneira que o inquérito perdeu completamente seu foco, assim como perdeu seu valor”.
A campanha Hacked Off, que pede uma nova legislação pela regulação da imprensa e inclui o ator Hugh Grant entre seus ativistas, rejeitou a sugestão de que as provas do inquérito tivessem sido dominadas por celebridades. Informações de Patrick Wintour [The Guardian, 22 e 24/11/12] e de Robert Budden [Financial Times, 19/11/12].
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