Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A psicanálise na mídia

A série Sessão de terapia, veiculada pelo canal GNT, com direção de Selton Mello, após sucesso de audiência e crítica em 30 países, ganhou sua versão brasileira, mostrando para os telespectadores a realidade dos consultórios dos chamados “psi” – psicoterapeutas, psicólogos, psicanalistas etc. É muito bom que tenhamos agora no Brasil um programa como este. Ambientada num consultório de psicanálise, a trama acompanha o tratamento de cinco personagens com o terapeuta Theo Cecatto, interpretado por Zécarlos Machado.

A psicanálise saiu de moda. Pode-se refletir sobre alguns dos motivos. Tornou-se cara para a classe média. Os livros de autoajuda tomaram grande parte do espaço das livrarias. A medicalização das chamadas “neuroses”, ou de qualquer mal-estar existencial, é moeda corrente. Nada contra a medicação, quando necessária e bem prescrita. Mas trata-se aqui da tentativa de evitar o sofrimento a qualquer preço. Literalmente. Pois os remédios são caros, mas aliviam rapidamente as angústias sem que seja preciso falar sobre elas e saber de onde podem vir.

O sofrimento, sejam perdas, separações ou conflitos existenciais, precisa ser rapidamente descartável. O lucro e os lobbies dos laboratórios farmacêuticos são fabulosos. Ganham muito dinheiro, enquanto as pessoas perdem dinheiro e o contato com a subjetividade. Com o que há de mais humano e rico em cada um de nós. Por isso, é de extremo valor que uma série como Sessão de terapia seja veiculada na mídia.

O trabalho psicanalítico

Como psicanalista, gostaria de destacar alguns pontos que me parecem relevantes na série; questões para pensar e discutir. Ela traz para dentro da nossa casa a intimidade dos consultórios. Mostra a casa do psicanalista. A família dele. Os conflitos que vive no trabalho clínico – que se entrelaçam com os familiares, o que desmistifica essa figura que costuma ser vista com admiração, idealização e medo. Que psicanalista já não escutou as famosas frases “Ah, você é psicanalista, então sabe tudo”; ou “Vai me interpretar, vai saber o que penso”. Isso mostra quão árdua é a tarefa de tratar das pessoas. É na clínica, escutando cada um, que se pode saber o que acontece nas vidas dos que nos procuram.

A série mostra que o psicanalista é de carne e osso. Uma pessoa comum, que aprendeu um ofício como outro qualquer. Mostra a potência e também a impotência do analista diante das situações – toda a sua humanidade. Na série, Theo, o psicanalista, se apaixona por Júlia (Maria Fernanda Cândido), que o seduz descaradamente, fato ligado aos problemas dela, evidentemente a chamada “transferência erótica” (baseada nas relações com os pais). Ele vai buscar auxílio com a sua própria analista, Dora (Selma Egrei). Só com muita dificuldade, e com a ajuda dela, consegue falar sobre a situação dramática pela qual está passando. Ali, ele é um homem sofrendo pelo conflito entre o amor e a ética da profissão.

Desde o nome, Sessão de Terapia, a série tem como principal protagonista um psicanalista. O trabalho clínico exercido por Theo é claramente psicanalítico, assim como na série inglesa In Treatment (“em tratamento”). Os pacientes sentam-se no sofá. Não há mais a obrigatoriedade de se deitarem no divã para que o trabalho analítico aconteça, diferentemente do que acontecia há duas décadas.

“Não foi acidente”

É importante ressaltar que hoje há uma diluição na nomenclatura: terapia, psicanálise, tratamento psi. Isso significa que houve uma transformação na atitude dos chamados psi, que já não têm uma atitude rígida e neutra em relação aos pacientes. A psicanálise avançou. Para melhor. Esse foi um pedido de Sigmund Freud, que a psicanálise avançasse, em todos os sentidos, inclusive para além das paredes dos consultórios privados. Sugiro que nos lembremos do Movimento Nacional pela Reforma Psiquiátrica, iniciado no Brasil em 1980, que criou inúmeros dispositivos psicanalíticos como alternativas para a internação. Muitos deles têm uma forte presença da psicanálise como eixo do tratamento.

Pode-se dizer, então, que a psicanálise também tem feito o caminho inverso. Hoje, esse avanço da psicanálise pode também ser creditado aos recursos criativos que os psicanalistas adquiriram com a experiência de transformação institucional, com as novas maneiras de tratar. Com a criatividade, condição indispensável para transformar o tratamento das pessoas. Nesse outro contexto, difícil e com pouca privacidade, é preciso reinventar e criar formas de adequar a psicanálise aos tratamentos.

No episódio que retratou a última sessão de Breno (Sérgio Guizé), ele pergunta a opinião de Theo sobre seu retorno ao trabalho de atirador de elite (sniper), reiterando que tal opinião é muito importante. Theo age nesse momento, do meu ponto de vista, como um antigo terapeuta, de forma neutra, devolvendo a pergunta ao paciente. Breno se despede e paga uma sessão a mais, para garantir alguma coisa. Na hora em que estava assistindo, pensei comigo mesma: “Eu daria a minha opinião sem hesitar.” No dia seguinte, Theo recebe a notícia de que Breno havia morrido na primeira operação de que participou. Minha opinião agora coincide com a de Theo, já no capítulo seguinte, quando fala para Júlia: “A morte dele não foi um acidente. Eu devia ter falado pra ele não voltar. Ele estava bem psicologicamente, mas eu tinha uma sensação estranha de que algo de ruim podia acontecer.”

A história e as dores

Na sessão seguinte, solicitada pelo pai de Breno (Norival Rizzo), este diz a Theo que a morte do filho não foi um acidente. Breno se expôs aos tiros – ou seja, suicidou-se. Do meu ponto de vista, seria preciso responder ao paciente que ele claramente havia feito uma transferência paterna com Theo, que havia acabado de conseguir falar de seus sentimentos, numa sessão muito tensa. Falou do pai militar, que era rígido, que duvidava da sua opção sexual, com quem nunca tivera espaço para falar de sentimentos.

Além disso, foi uma “decisão” muito rápida, para quem estava vivendo um caldeirão de emoções novas – mas ainda querendo provar para o pai e talvez para o próprio Theo – que era heterossexual. Júlia conta para Theo que Breno lhe disse que estava fazendo uma oficina de construir barcos. E que navegar era sentir as emoções. Ela comenta que ele devia estar influenciado pela coleção de barcos do Theo.

O que enfatizo é que a atitude de Theo (não responder) não foi, como ele tenta justificar diante de Júlia, o fato de o terapeuta não dever transferir seus sentimentos para o paciente: isso não pode ser uma regra! Acho que Theo ficou preso aos ditames, às rédeas, à fôrma que nos impede, em momentos como esses, de pelo menos tentar evitar tragédias, sendo, digamos assim, intervencionistas. Ou seja, nos envolvendo mais no que sentimos fortemente em nosso íntimo, o que não é mera “sensação”: é algo que sentimos em função da nossa escuta da história e das dores de cada paciente.

Um grande elogio

O avanço da psicanálise e a sua necessária revitalização, em um mundo onde está cada vez mais complicado poder falar do que sentimos, consiste, a meu ver, em ousar, em dizer para os pacientes aquilo que eles pedem e precisam escutar. Às vezes isso significa dar a nossa opinião. Porque aqui não se trata da opinião como doxa, mas de uma opinião grávida de percepções, sentimentos, elaborações baseadas em todo o nosso percurso de cuidadores de pessoas – de leitores e ouvintes de corações e mentes.

Como disse o brilhante e polêmico filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek na entrevista concedida ao programa Roda Viva, em 2009: “O mundo precisa de análise social, associada à psicanálise, tendo como pano de fundo a filosofia.” Acredito que é nesse movimento de recriação da clínica psicanalítica, dia após dia, saindo do confortável lugar do antigo analista, que podia passar sessões em silêncio com o paciente deitado mudo no divã, que iremos realmente ajudar mais as pessoas que nos procuram.

Não estamos mais na Viena de Freud, onde as histéricas vinham tratar de seus “complexos de édipo” mal resolvidos. Como disse Zizek, na mesma entrevista, não sabemos mais quem somos. Os quadros clínicos atuais afastam-se cada vez mais da nosologia clássica. Muitas vezes não sabemos nem formular um diagnóstico preciso. Depressão, melancolia, falso self, medo do sucesso, tudo junto? Ou outra coisa que ainda não conhecemos? Por isso é preciso fazer da clínica um artesanato diário. O que requer força, criatividade, ousadia.

Aqui vai um grande elogio para a equipe da série Sessão de terapia: ela permite e promove o pensar, o sentir e o falar dos sentimentos. Mostra que a psicanálise continua a ter um lugar muito importante no mundo de hoje. Concluo com a bela constatação do grande psicanalista inglês Donald Winnicott: “Quando dá, a gente faz psicanálise. Quando não dá, a gente faz outra coisa.”

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[Cláudia Corbisier é psicanalista]