O pequeno Hudson Rosa teve sorte. Vítima do descompromisso dos governantes para com o futuro do país, que se reflete no desprezo com que nos habituamos a ver tratada a educação pública, ele sofria por não poder iniciar o ano letivo em sua escola estadual na Baixada Fluminense, fechada por falta de professores. Hudson, 7 anos, via ameaçado seu sonho de um dia entrar para a Marinha.
Capturado pela lente do telejornal local da TV Globo, foi personagem também do Jornal Nacional (16/3) e do Fantástico (18/3). A exposição de seu drama – e de seu sonho – renderam-lhe a generosidade de uma família telespectadora anônima, que o matriculou numa escola particular de Nova Iguaçu e comprometeu-se a financiar seus estudos até que complete 18 anos.
O poder de promover a coesão social e a transformação da realidade, que se pode atribuir aos meios de comunicação, não pode ser subestimado – nem tomado além dos limites do mercado, da ideologia e das relações com outros poderes. Contudo, histórias felizes como a do pequeno, articulado e automotivado Hudson não são a regra.
Encontro fortuito
Apresentadores de programas ‘mundo cão’ no rádio e na TV costumam faturar eleitoralmente explorando carências alheias a pretexto de ‘prestação de serviço’, o que não vem ao caso, mas não custa lembrar – e deplorar. Por outro lado, mesmo sob linhas editoriais honestas, narrativas sintéticas sobre nossas mais diversas tragédias sociais servem-se de personagens emblemáticos em plena vivência de sua miséria, geralmente descobertos em campo pelo faro do repórter, e com a ajuda do acaso.
Mas quantas vezes esses personagens tiveram algum benefício duradouro com essa participação consentida, mas raramente de sua iniciativa? Quantas outras vezes essa participação foi recusada, sob o argumento de que ‘a gente fala, aparece mas nada acontece, nada muda’? Aqui, tais fontes exercem o direito à preservação da imagem e do que lhes resta de dignidade, algo de que alguns (nem todos) momentaneamente abrem mão por ingenuidade, ou só para ser gentis com o rapaz ou a moça simpáticos (nem sempre) que precisam ‘fechar a matéria’.
Penso nas pessoas humildes que, ao longo da carreira, um dia entrevistei e pedi que se deixassem fotografar ou filmar. Para a imensa maioria delas, foi seu primeiro, talvez único, contato com a imprensa e seu aparato técnico.
Penso nas expectativas que esse contato gerou. Teriam suas vidas mudado em algo? Em que direção? Que restou daquele encontro fortuito, para o bem ou para o mal, para essas pessoas que me ajudaram em meu trabalho, preenchendo o tempo/espaço editorial?
Boa sorte
Finalmente, penso em quantos de nós temos ocasião ou disposição de pensar nessas coisas. Quando o fazemos, a que conclusões chegamos?
Nos lixões, acampamentos, hospitais, favelas, cadeias e fins de mundo em geral sempre haverá personagens em busca não de um autor, mais ou menos sensível e respeitoso, mas de uma solução para seu problema. Solução que não virá direta nem necessariamente do contato com a imprensa, apesar das melhores intenções dos jornalistas e de sua presumida ética profissional.
Neste espaço, agradeço mais uma vez a toda essa gente, cujos nomes e rostos não recordo, mas que deixaram sua marca em mim também. A esses homens, mulheres e crianças, desejo sorte. Um pouco da sorte que soprou sobre a equipe do RJ TV, e que tão bem está servindo ao pequeno Hudson.
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Jornalista