Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mídia quer ver o Brasil sendo Brazil

Maior potência do mundo, coração da economia, grande agente no que se diz respeito a uma influência cultural no ocidente e, sem falar, na relação de ódio e amor que desperta de uns e de outros. Realmente, falar dos Estados Unidos é elencar uma série de fatores que envolvem toda uma mística do país que atua como dominador desde uma Europa, não mais dona do poderio que possuía outrora, até uma América Latina que, para ter uma identidade, vestiu o traje do Tio Sam (ou simplesmente renegou, como no caso de Cuba). Sabendo dessa lógica, é ilusório pensar que as eleições dos Estados Unidos seriam apenas realizadas lá. Em um primeiro olhar pode ser estranho, mas não é novidade o fato do mundo tratar os pleitos americanos como se fossem mundiais. Agora, claro que toda engrenagem, para funcionar bem, precisa de impulso.

Não é necessário fazer grandes esforços para descobrir qual seria esse impulso. Ele está bem aí. Presente no dia a dia de cada um. Fala-se, evidentemente, da mídia. Quem, na véspera da eleição dos Estados Unidos ligou o seu televisor para assistir a mais uma edição do Jornal Nacional percebeu que não se tratava de um simples dia para o telejornal mais importante do país. O clima era especial. Era a oportunidade de seguir afirmando que uma eleição norte-americana é capaz de ultrapassar fronteiras. Cenário mais especial não poderia haver: Lá estava Willian Bonner apresentando o JN em meio ao frio de um eminente inverno. Ao fundo, a Casa Branca que, naquele dia, estava com um reluzente brilho noturno.

Daqui do Brasil, Patrícia Poeta apresentava as notícias nacionais, mas sempre sinalizando que, em breve, Bonner voltaria com o prato principal da noite. Situações assim mostram que somos bombardeados por doses de influências, muitas vezes sem nos tocarmos. Na tradução mais fria e clara, ali se tratava da tentativa de fazer com que cada um escolhesse se levantaria a bandeira para os republicanos ou democratas.

Obama: o Superman?

Chega a impressionar o empenho para decodificar um sistema eleitoral complexo. Dotado de traços que para nós, brasileiros, pertencem a eleições antigas. Do tempo em que cada eleitor pegava seu papelzinho e depositava na urna. Tentam explicar como se fosse algo que remetesse a uma preservação. Se fosse assim no Brasil, estaria proclamado o modo medieval e arcaico do brasileiro fazer as coisas. O jornalismo, aqui e acolá, procura maquiar as palavras até que elas ganhem um sentido positivo. Isso, dependendo do contexto que elas estejam inseridas.

Em 2008, Barack Obama apareceu como a bandeira de um novo tempo. O símbolo de um novo caminho para o país marcado pelo preconceito racial. A mídia não perdeu tempo em transformar a candidatura do homem que estava tentando ser o primeiro negro a ocupar a Casa Branca em um produto valioso e que, se fosse bem trabalhado, ganharia grandes proporções. Ele ganhou e a sua posse transformou-se em um evento apoteótico. A mídia mundial logo se aprontou para mostrar o dia que ganhou ares de marco da democracia. Parecia que não somente os Estados Unidos viveriam um novo ciclo, mas o mundo também.

O primeiro mandato não foi um mar de rosas. Pelo contrário, foi marcado por altos índices de desemprego, crise econômica e um conflito feroz com a burguesia. A desconfiança crescia a ponto de Michelle Obama, esposa do presidente, ter a popularidade maior que a do seu marido. As coisas não estavam, nem de longe, fáceis. Nem mesmo a morte de Bin Laden pareceu acalmar a turbulência do mar em que se encontrava o governo Obama. O Ano de 2012, também de eleição, trouxe todos esses fatores à tona. Para os Estados Unidos, Obama pareceu ter deixado a desejar e sua candidatura à reeleição estava cercada por incógnitas. Mas, e perante o mundo, como estaria a imagem do presidente?

O mal da globalização

A intensidade pode não ter sido a mesma, mas a mídia ainda manteve a viva a predileção pela “Obama Mania”. Não é preciso nem ser bom observador para notar que até as falhas do presidente receberam o contorno da normalidade, em tempos que a economia mundial convive com a instabilidade. Exalta-se a imagem do homem que percebeu o desgaste da Guerra do Iraque. É bem melhor mostrar a façanha do líder humilde e negro que carrega a responsabilidade de ocupar o cargo político mais importante do mundo, do que as falhas daquele que, vez ou outra, parecia perder o rumo.

Um olhar pelos sites e telejornais e mídias brasileiras em gerais, servem como um bom reflexo deste aspecto. Mitt Romney – candidato republicano –, mesmo com todos os disfarces, foi o verdadeiro patinho feio da história. Enquanto isso, Obama ainda ocupava o lugar do presidente que simboliza o modernismo e, apesar de nem tanto quanto na campanha anterior, a personificação da luta contra a separação entre raças. Eis a materialização do desenho que a mídia criou e transformou em personagem: o Superman pronto para defender os Estados Unidos e, por que não, o mundo.

O mundo se modernizou e as distâncias deixaram de ser tão significativas. Em partes, esse argumento serve para sustentar a evidência que se dá para as eleições dos Estados Unidos. Ainda mais num mundo em que as informações circulam rapidamente e que o imediatismo é tido como uma regra fundamental. É cada vez normal ver aqueles que ostentam admiração por Obama e que dizem torcer por ele. Cria-se um espelho em uma conjuntura e realidade social que, no viés territorial, não é nossa. Porém, a derrubada sãs fronteiras quebra qualquer paradigma geográfico e traz uma realidade diferente. A mídia, nesse caso, expõe o espelho que reflete os Estados unidos, o soberano expoente político e social.

Sombra de outra nação

Não há como negar que os Estados Unidos possuem seus méritos na conquista de respeito e visibilidade, mas, o fator midiático, situa-se como um impulsionador nessa história de centralização e hegemonia. Dizer que não podemos deixar nos influenciar pelo que há em outro país se resume a um pensamento preconceituoso e de ignorar a globalização que não cansa de se fazer perceber. Ao mesmo tempo, o reconhecimento de que é preciso haver limites torna-se vital. A globalização não consiste em viver totalmente sobre o reflexo de outra nação. Não mesmo. Uma eleição, seja nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar, não implica em um acontecimento que vai trazer o antídoto capaz de solucionar os problemas mundo a fora.

Globo e Record, por exemplo, não medem esforços para fazer coberturas de grande proporção das eleições dos EUA. A questão não é fechar os olhos para a importância de um evento desse porte, mas é preciso cobrar que essas emissoras possuam o mesmo caráter de seriedade com o que acontece por aqui. Enquanto Obama aguardava o resultado de suas eleições, policiais, por exemplo, eram assassinados em São Paulo. Isso para não falar das nossas eleições, quando a Rede Globo, divide a expectativa dos resultados com o Domingão do Faustão. Em suma, Rádio, internet, Jornais impressos e TV podem criar a expectativa do exagerado olhar para o que, diretamente, não é nosso. Viver diante da ótica expansiva dos rumos que podem tomar a política dos Estados Unidos pode coincidir com a cruel síndrome do espelho, ou seja, a de vier pelo reflexo de ocupar uma realidade que não nos pertence.

Somos Brasil, com nossas culturas e aspectos sociais. Não “Brazil”, como uma sombra de outra nação. Antes de assumir o posicionamento por democratas ou republicanos, lembre-se que nenhum presidente norte-americano virá até aqui para implementar um programa revolucionário. Eles são presidentes dos Estados Unidos e nós temos os nossos. A mídia não erra em dar cobertura para os triunfos de Obama e derrotas dos republicanos, mas precisa ter cuidado para não expandir as dimensões desse fato. E, para começar a mudar, seria bom ver William Bonner apresentando o Jornal Nacional, após as eleições de 2014, em frente ao Palácio do Planalto.

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[Geovanni Garcia Ferraz é estudante, Boa Vista, PB]