Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O que levou ao fechamento do jornal exclusivo para iPad

Era muito caro. Faltava-lhe foco editorial. E, para uma publicação digital, ficava estranhamente isolado da internet. Esse é o obituário que vem sendo escrito em tempo real, por meio de posts, tweets e bate-papos online, sobre o jornal The Daily, o primeiro para ser lido especificamente no iPad e que vai fechar este mês. Na segunda-feira (3/12), a News Corporation, de Rupert Murdoch, disse que a última edição do Daily será no dia 15/12, menos de dois anos após seu lançamento, em janeiro de 2011.O aplicativo já foi removido do iTunes, da Apple, onde chegou a alcançar índices promissores.

O The Daily tinha em torno de 100 mil assinantes que pagavam o equivalente a R$ 1 por semana para o download diário para telas de toque. Mas isso não era o suficiente para manter cerca de 100 funcionários e milhões de dólares de perdas desde seu lançamento. Quando começou, a News Corp. disse que o custo operacional do The Daily seria de meio milhão de dólares (cerca de R$ 1,2 milhão) por semana.

O seu lançamento foi considerado uma experiência ousada nas novas mídias e custou US$ 30 milhões (cerca de R$ 60 milhões). A empresa contratou jornalistas renomados de outras publicações, como Richard Johnson, ex-editor do New York Post. Agora,  reconhece que não há lugar para o The Daily na News Corp., que está sendo separada em duas – uma que cuidará das publicações e a outra, de TV e negócios de cinema.

Eles ignoraram o óbvio”

Os críticos dizem que o dia a dia do The Daily, misturando notícias, opiniões e infográficos, não era assim tão diferente do conteúdo que se pode acessar gratuitamente na internet. Apesar da pompa do lançamento, que atraiu a atenção da mídia, o jornal não conseguiu construir uma marca própria. Em sua cobertura, não havia uma campanha publicitária para captar clientes e as matérias não eram acessíveis a quem não era assinante e, portanto, não se beneficiava das fofocas que vêm de redes sociais como o Twitter e o Facebook.

Trevor Butterworth, que escrevia uma coluna para o The Daily chamada “A Sociedade da Informação” [The Information Society, em inglês], disse que a desconexão entre o aplicativo e a internet mais ampla restringia o seu alcance. Ele foi demitido em julho, quando a publicação teve uma redução de 170 para 120 funcionários. Como parte desse corte, o The Daily cortou sua seção de opinião e substituiu a cobertura de esportes pela informação de sua co-irmã da News Corp., a Fox Sports. “As matérias não eram amplamente compartilhadas nem amplamente conhecidas”, diz Butterworth. “Parecia que eu estava escrevendo para o vazio.”

Quando foi lançado, o The Daily pretendia aproveitar a explosão das vendas de tablets e a ideia de que as pessoas em geral os leem de manhã ou de noite, como uma revista. Mas cada edição vinha num arquivo enorme – às vezes, de um gigabyte – que demorava de 10 a 15 minutos para baixar numa conexão de banda larga, coisa de que nunca se ouviu falar para aplicativos de notícias, diz Matt Haughey, fundador da MetaFilter.com, uma das primeiras comunidades de blogs na internet. Como não exisitam links entre as matérias, ele não se beneficiava do novo tráfego da internet que viria de agregadores de conteúdo, como o Flipboard ou o Tumblr. “Eles ignoraram o óbvio, que era a internet”, diz Haughey. Embora muita gente deixe de comprar um laptop pela conveniência do tablet, de ser mais leve, ainda não chegou o dia em que todos os acessos serão feitos por aplicativos, e não pela internet. “Talvez em cinco ou dez anos a internet venha a ser menos importante”, diz Haughey.

Sem cobertura definida

Também pode ter sido um problema o fato da News Corp. ter lançado The Daily a partir de zero para um ambiente no qual os leitores tendem a gravitar em torno de fontes confiáveis e marcas conhecidas. Segundo uma pesquisa realizada pelo centro de pesquisas Pew Research Center, em 2011, 84% dos usuários de aparelhos móveis disseram que a marca do aplicativo de notícias era um fator importante para a decisão de baixar um arquivo.

Um dos desafios que o The Daily tinha era o de sobressair em meio a um mar de jornalismo online, tanto pago como gratuito. Alguns jornais nacionais, como o New York Times e o Wall Street Journal, criaram nichos com uma cobertura de informação sobre assuntos às vezes complexos e ganharam em relação aos assinantes digitais limitando o número de artigos gratuitos que oferecem online.

A empresa Gannett Co., que publica o USA Today e mais cerca de 80 jornais, conseguiu aumentar a receita de circulação de jornais locais criando paywalls [conteúdo pago] online, aproveitando que para algumas comunidades não há fontes alternativas. Sem um nicho com uma cobertura de informação única e sem um monopólio local, o The Daily ficou preso entre dois mundos.

Por ser apenas digital, a publicação não tinha uma área de cobertura definida. “Concorria com todo mundo e com tudo”, diz Joshua Benton, diretor do Nieman Journalism Lab, da Universidade de Harvard. Mas não conseguiu criar seu próprio nicho nesse universo mais amplo, diz ele. “A falta de foco editorial era interessante”, destaca Benton. “Era um jornal agradável, intelectualoide, uma espécie de tabloide, uma mistura de notícias e artigos. Acho que se o Daily começasse de novo, eles investiriam mais em criar sua própria identidade logo de saída.” Informações de Ryan Nakashima [Huffington Post, 4/12/12].