A cena não poderia ser pior: uma mulher grávida é filmada por uma câmera de segurança enquanto é esfaqueada pelas costas por um homem no Brasil. O apresentador de televisão José Luiz Datena faz uma breve apresentação sobre o caso e escancara as imagens no ar. Isso, às cinco horas da tarde, horário em que o Brasil Urgente é transmitido para Mato Grosso do Sul e boa parte do país que tem o fuso horário uma hora a menos que Brasília.
A cena foi ao ar na TV Band, na sexta-feira, 23 de novembro. As facadas foram suficientes para matar a vítima ali mesmo e as cenas exibidas na TV em plena luz do dia. Exatamente em um horário em que milhões de crianças voltam da escola para casa e estão, portanto, passíveis de ver no ar o mundo cão que Datena defende expor em rede nacional. Literalmente, expor as vísceras da violência no Brasil.
Qualquer ato de violência é repugnante e repulsivo. Agrava-se ainda mais com a impunidade. No entanto, a violência assume infinitas faces e uma delas foi esse banho de sangue que invadiu as casas nas imagens de uma desafortunada sendo morta sem chance de se defender. O registro do assassinato sendo transmitido pela televisão em plena sessão da tarde é tão cruel, repugnante e repulsivo quanto o ato em si. É um ato de violência.
Decisão judicial
Ao mostrar e reprisar o assassinato cerca de dez vezes, Datena reflete mais ou menos assim: “Tem gente que não gosta de ver isso na televisão, mas se a gente não puder mostrar a violência no Brasil também não deve exibir matérias sobre corrupção, mensalão e assim por diante.” Entre uma nova reapresentação e outra, Datena aproveita para esbravejar: Nem porco se mata assim! Isso, às cinco horas da tarde.
Pois bem: se a direção do Brasil Urgente permite que as imagens do assassinato sejam escancaradas para milhões de telespectadores, se o apresentador defende a exibição, se o Departamento de Jornalismo e a direção da TV Band também não se opõem, é exatamente aí que o Estado deve intervir. Impor limites. No auge de um jornal que exibia fotografia de cadáveres na capa, lembro-me bem, em São Paulo, uma decisão judicial determinou que as imagens fossem cobertas por um papel e o jornal plastificado e lacrado. Mais: deveria conter uma advertência que ele continha cenas fortes de violência. Com isso, comprava a publicação quem quisesse, sem que donas-de-casa, senhoras, crianças, idosos, ou qualquer outro tipo de leitor que não consumisse aquele produto tivesse a obrigação de ver a vítima do dia vilipendiada em versão impressa.
Equívoco editorial
O Brasil Urgente pode enveredar por este caminho desde que se adeque a um novo horário. É uma opção editorial e certamente vai ter público para isso. Nos canais fechados, de madrugada, há programas com cenas de sexo bizarro, assassinatos em série, homens deformados, outros comendo tarântulas ainda vivas, golfinhos sendo trucidados por pescadores clandestinos e até cirurgias mostradas para quem quiser ver. A diferença é que dificilmente, durante a madrugada, uma criança de quatro anos vai assistir. Só com a permissão de algum pai sem noção. E ainda assim ele teria que acordá-la.
O que o jornalista Datena pode não ter notado, mesmo com a larga experiência profissional que possui, é que atitudes assim dão margem de sobra para que se confundam alhos com bugalhos. Vira e mexe alguém surge com a proposta – ameaça? – de dar um chega para lá na liberdade de imprensa brasileira.
Certamente vão usar cenas como esta para que a opinião pública acredite que é isso que se faz com a liberdade de imprensa no Brasil. Acredite: não é. Neste caso, trata-se de um equívoco editorial com patrocinadores em rede nacional. Uma bola fora.
A propósito: não assisto o Brasil Urgente. Nem ele, nem muito menos seus similares. Neste dia acompanhava a cobertura sobre o julgamento do caso do goleiro Bruno. Passou no programa, parei para ver. Apenas zapeava a televisão.
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[Paulo Renato Coelho Netto é jornalista]