Enquanto a Câmara dos Deputados não chega a um consenso sobre o Marco Civil da Internet, que fixa princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede no Brasil, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) pode sair na frente e regulamentar a neutralidade da rede, o ponto mais polêmico do Projeto de Lei. Enviada ao Congresso pelo Executivo em 2011, a votação da matéria já foi cancelada pelo menos três vezes e deve continuar na gaveta até 2013.
A controversa neutralidade obriga provedores de conexão a tratar de forma isonômica os usuários, sem diferenciar a velocidade pelo conteúdo acessado. Significa, basicamente, que todas as informações que trafegam na internet devem ser tratadas da mesma forma, sem favorecimento por qualquer motivo.
Esse item é abordado no novo regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia da Anatel, que deve ser votado pelo órgão regulador até meados de 2013. “O regulamento não pode ficar esperando a tramitação no Congresso, até porque não vejo divergência de visão da nossa neutralidade e da que foi proposta pelo governo. Outras tantas questões que não coincidem com o marco precisam ser reguladas”, diz o conselheiro Marcelo Bechara, relator da matéria.
Embora elogie a iniciativa brasileira de criar uma legislação para a internet, Bechara ressalta ressentimentos da Anatel com a forma como o texto foi escrito. “A Anatel participa da concepção do conceito da neutralidade e acaba sendo colocada em segundo plano no processo.”
O sentimento é derivado da redação do primeiro parágrafo do artigo 9º do texto do deputado Alessandro Molon (PT-RJ), que dá à Presidência o poder de regulamentar as exceções da neutralidade. “Parece que quer se regular a função do órgão regulador. Detalhamentos técnicos devem ser tratados pelo órgão regulador. Qualquer coisa que limite isso pode promover o engessamento de algo dinâmico como a internet”, critica. “O legislador cria a lei, o marco nesse caso. O governo, a partir dela, cria a diretriz de encaminhamento e a Anatel regula e fiscaliza”, diz.
“Parece que está havendo uma confusão entre regulamentação de leis e regulamentação de atividades”, pondera Molon, relator da proposta do Marco Civil. Ele citou o artigo 84 da Constituição, que dá à presidente o poder de regulamentar leis. “O que se percebe é que estão querendo avançar sobre uma competência que é privativa da Presidência da República. Não é um bom caminho. Justamente para evitar este atropelo foi que explicitamos no texto que a regulamentação das exceções da neutralidade será feita por decreto.”
Dificuldades
Dois pontos explicam, em boa medida, a dificuldade de fazer andar o Marco Civil da internet na Câmara: a neutralidade da rede e o armazenamento de dados dos usuários. Os provedores de conexão contestam o texto e pressionam deputados para que não deixem a proposta passar como está.
As empresas de telecomunicações, que fornecem o serviço, argumentam que a neutralidade engessaria o crescimento da rede e prejudicaria os clientes que queiram utilizar serviços simples como acesso a e-mails.
Contrário à neutralidade, o deputado Ricardo Izar (PSD-SP) diz que a internet é uma via congestionada de dados e as empresas devem ser autorizadas a priorizar a velocidade do cliente que comprou um produto mais caro. “Para desafogar o tráfego, as Telecoms teriam de investir em torno de R$ 250 bilhões até 2020, e quem vai pagar a conta é o consumidor que paga menos.”
As pressões recaem também sobre o impedimento das empresas de guardar dados sobre a navegação. O deputado Eli Correa Filho (DEM-SP) apresentou emenda que dá aos provedores direito de armazenar os dados. A sugestão foi rejeitada. “O maior problema que inviabilizou a votação é relacionado ao papel dos provedores de conexão. O projeto proíbe que quebrem a neutralidade, violando a liberdade de escolha do usuário, e proíbe que guardem dados da nossa navegação, o que é fundamental para proteger a privacidade do internauta”, diz Molon.
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[Débora Álvares, do Estado de S.Paulo]